quarta-feira, 8 de setembro de 2021

poetas da tribo

 

Quando entrou em contato pela  primeira vez com a mentalidade do homem branco, o pensador indígena  Krenak disse que a ideia mais incompreensível para ele era de que o mundo estava condenado a um fim, a um “Juízo Final”. Ele não entendia  como  essa visão destruidora podia ser  a base de uma religião que se dizia do Amor.

Além disso, essa visão de que a terra, a Mãe-Terra, teria um dia fim parecia legitimar que o homem branco  já começasse a destruí-la   desde agora, derrubando suas florestas, poluindo seus mares e rios, enfim,  ameaçando de extinção os povos da floresta.  

Mas os povos da floresta têm um antídoto que os protege da mentalidade branca niilista.  Esse antídoto não está no cacique , o “chefe político”, ou no pajé, o “chefe religioso”; esse antídoto está naquele que é chamado de   “pessoa coletiva”.

Nos povos da floresta a “pessoa coletiva” não é alguém com “muitos eus” ou “personalidades”. Diferentemente, a “pessoa coletiva” é aquela que diz narrativas que expressam o “nós” da comunidade.

A própria linguagem ensina que não existe apenas uma pessoa  , mas seis : eu, tu, ele, nós, vós, eles. Enquanto o branco imagina  ser o “eu” a única pessoa, os povos da floresta pouco dizem “eu”, pois conjugam seu mundo na primeira pessoa do plural: o nós da pessoa coletiva.

Somente sendo uma “pessoa coletiva” se pode ser uma singularidade. A “pessoa coletiva” não profere ordens e nem cultos, ela tece narrativas. São as narrativas de uma “pessoa coletiva” que potencializam a comunidade para enfrentar as ameaças de fim de mundo.

A “pessoa coletiva” é o poeta da comunidade. Entre os povos da floresta, o poeta não tem nome próprio designando um ego, pois seu nome é “pessoa coletiva”.

O poeta da tribo expressa um poder  diferente daquele que exerce o cacique, o poeta   promove curas para enfermidades que o pajé não consegue  curar, e trava guerras cujas armas não são lanças ou flechas, pois sua guerra é a resistência por intermédio  da palavra que não deixa morrer um mundo, o mundo dos povos da floresta. 

 A “pessoa coletiva” é um “agente coletivo de enunciação”, diriam Deleuze e Guattari; e nela fontaneja um “afloramento de falas”, tal  como aflora na  pessoa coletiva Manoel de Barros, um dos poetas da nossa tribo. Segue um trecho do livro de Krenak:


"Como os povos originários do Brasil lidaram com a colonização, que queria acabar  com o seu mundo? (...)Vi as diferentes manobras que os nossos antepassados fizeram  e me alimentei delas , da criatividade e da poesia que inspirou a resistência desses povos.(...)Muitas dessas pessoas não são indivíduos, mas 'pessoas coletivas', células que conseguem transmitir através do tempo suas visões sobre o mundo." (Ideias para adiar o fim do mundo, p. 28)




 



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