quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Espinosa e o cuidado

 

Em sua Ética, Espinosa coloca o “cuidado” como prática fundamental, sem a qual não há filosofia, poesia, cultura, liberdade, democracia, enfim, vida. A palavra cuidado vem do latim “caute”. 

Cuidado não é a mesma coisa que medo. Pois medo é um receio de agir, ao passo que o cuidado é um agir mais do que necessário diante de tudo aquilo que é frágil e depende de nós, de nossa ação.

Frágil não é a mesma coisa que fraco. Frágil é tudo aquilo que traz em sua imanência uma potencialidade ainda a aflorar. Por exemplo, a criança é frágil, ela não é fraca. A criança é frágil porque há nela uma potencialidade que precisa de cuidados para crescer e frutificar. Educação, cultura, amor, o lúdico...Tudo isso são cuidados dos quais a criança precisa para que dela cresça um  adulto que  também exercerá a prática do cuidado.

A semente igualmente é frágil: ainda por nascer, há em sua imanência uma árvore da qual surgirão  frutos com novas sementes dentro . Mas essa potência somente se tornará real se for cuidada. Calor, água, terra fértil...São os meios com os quais o jardineiro  cuida da semente.

Fraco, ao contrário, é tudo aquilo que põe em risco a prática do cuidado e os seres que o cuidado potencializa. Fraco é o que somente sabe destruir, por isso seu culto às armas e às motosserras, físicas ou simbólicas. Os fracos querem sempre destruir essa virtualidade em nome de um presente reativo e cultuador  de um  passado obscuro. Fraqueza é ressentimento e espírito de vingança;  enfim, fraco é o autoritário que quer se impor gritando, ameaçando, apontando armas.

Assim, o cuidado é prática ética, pedagógica  e política para proteger tudo o que é frágil, em nós, nos outros, na sociedade, na natureza. Mas a prática do cuidado enquanto tal não pode ser frágil. A semente depende do amanhã para virar árvore e floresta, a criança depende do amanhã para se tornar adulto, porém a prática do cuidado não pode esperar pelo amanhã, pois ela é sempre necessária no aqui e agora, já.

O cuidado é prática que se faz no presente garantindo que haja futuro , a despeito das forças do passado que sempre querem  a regressão, o atraso, o retrocesso.

Por isso, a prática do cuidado tem que ser a mais potente possível, a mais firme, sem medo, com coragem, sem receio, perseverante.




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