terça-feira, 27 de abril de 2021

os pães

 

Uma das palavras mais bonitas em grego é “eudaimonia”. No coração dessa palavra está o nome “Daimon”, pois “eudaimonia” é : “estar na companhia de um bom Daimon”.  Em português,  “eudaimonia” é traduzida pela palavra  “felicidade”. Para os gregos, felicidade não é andar sozinho, mesmo que seja em carruagem de ouro; felicidade é andar na companhia de um “bom Daimon”. Na mitologia, o Daimon não mora no inacessível e aristocrático Olimpo, o Daimon mora onde houver a necessidade de uma travessia, pois ele é a divindade dos caminhos, sobretudo  dos caminhos que precisam ser criados, mesmo que no deserto  ou para escapar de labirintos.   Para os gregos, a felicidade não é propriedade egoica de um indivíduo, a felicidade é agenciamento coletivo: impossível o indivíduo ser feliz se a pólis está triste, tampouco pode o indivíduo ter saúde com a pólis  doente.

Mas o Daimon só nos faz companhia se aprendermos a ser companhia. Nietzsche diz que certa vez um Daimon soprou esta lição em seu ouvido: “Odeio tanto seguir como ser seguido: para me acompanhar aonde vou, é preciso aprender a amar andar ao lado”. 

“Companhia” vem de “com-panis”. E “panis” é, em português, “pão”. Assim, fazer companhia é  saber “dividir o pão”. Companheiros: “aqueles que dividem o pão”. Há o pão que alimenta o corpo, como aquele que faltou ao povo e trouxe o sofrimento  da fome. A elitista Maria Antonieta, zombando, disse: “Não têm pão? Que comam brioches!” ( as “Marias Antonietas” casagrandistas de hoje dizem: “estão com fome, estão sem pão? Tomem 150 reais e digam amém!”).

Quando um povo não aceita  ser rebanho de tiranos,  nasce nele    a fome por outro pão: o pão da dignidade e da justiça, pão que  tem o fermento da arte, da educação e da poesia,   pão que alimenta a luta.

 

“O andarilho abastece de pernas as distâncias.” (Manoel de Barros)

 

( no livro “1984”, de George Orwell, uma das táticas do poder tirano é apagar certas palavras, para assim tentar apagar também da realidade seu sentido e prática. Parece estar acontecendo isso com a palavra “trabalhador”, que o poder do Capital tenta apagar colocando no lugar “colaborador” ,isto é,  colaborador do Capital   ou “empreendedor”; com isso,  propaga-se  a ideologia de que o outro não é um companheiro, mas um “competidor”. Nessa semana em que se comemora o “Dia do Trabalhador”, este filme é uma boa dica. Em “Pão e Rosas”, as “rosas” são a  cultura, as artes, a educação, a poesia )



- cena do filme:






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