sábado, 5 de outubro de 2019

- fontanejar -


Os filósofos pré-socráticos chamavam a natureza de “physis”. Originariamente, physis significa brotar ou desabrochar. Uma fonte  pode ser uma imagem-símbolo para a physis,  desde que a dessubstantivemos  e  a apreendamos como verbo: fontanejar. A rosa desabrocha, ela se abre e se oferece à luz, e assim fontaneja.  Não apenas as rosas, várias outras coisas desabrocham, fontanejam. A boca que canta desabrocha, assim como a mão que escreve também fontaneja; também desabrocha a criança que nasce, o sol que se eleva,  o afeto no peito, o conhecimento na alma. Tudo desabrocha, fontanejando. Mesmo a alma em silêncio tem o silêncio a lhe desabrochar. Mesmo o homem que morre faz desabrocharem lembranças que dele teremos. Para quem o crê, o homem que morre desabrocha outra coisa.
Para os gregos, a physis não é o desabrochar disto ou daquilo isoladamente, mas o desabrochar que se expressa em cada coisa diferente , e somente pode mostrar-se desabrochando, pondo em cada coisa movimento, vida. A physis desabrocha em cada coisa, desabrochando de si mesma, mantendo ligado a ela o que dela desabrochou. A physis desabrocha não apenas na rosa, na boca que canta, na criança que nasce...mas em tudo, no todo . A physis é o desabrochar que permanece em si mesmo como desabrochar. A physis desabrocha de si mesma e se mostra em cada coisa que dela desabrocha. Na rosa que desabrocha também desabrocham a água que ela sorveu, os minerais do solo que ela sugou, a luz que ela absorveu e também desabrocham através dela os bilhões de anos da terra que a prepararam.
O poeta Manoel de Barros  nos fala que a poesia é a linguagem dos inauguramentos....A poesia desabrocha em versos, em palavras escritas. Mas o estado poético, que é o estado de “inventar comportamentos”, nunca é plenamente um estado, mas um processo de empoemamento. O poeta vê mais do que o desabrochar das coisas, ele vê o desabrochar enquanto olhar que nele fontaneja, para assim levá-lo a ver mais do que aquilo que no presente está dado.  Quando tudo parece perdido e estagnado,  de seu olhar uma “linha de fuga”  fontaneja: “Sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.”(Manoel de Barros)





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