https://ateliedehumanidades.com/2019/08/31/fios-do-tempo-sobre-os-fios-por-elton-luiz-leite-de-souza/?fbclid=IwAR1llGtBldAqOAbcWUYeyHi8X46yummnKC__4I2r2BEUM11qEWbZvJb8TKs
sábado, 31 de agosto de 2019
devir-índio...
Certa vez, um
antropólogo inglês entrou na oca de um índio e viu uma máquina de escrever
pendurada na parede da oca como se fosse
um "desutensílio", diria o poeta
Manoel de Barros. Isso aconteceu em 1950, época em que a máquina de
escrever era o símbolo técnico da cultura autointitulada “civilizada”. O
antropólogo nada perguntou ao índio, e retornou a Londres para tentar entender aquele ato
que subvertia o significado e uso costumeiros daquele objeto. O
antropólogo consultou teses e tratados,
porém nada encontrou na teoria que
explicasse o gesto do índio. Até que , de repente, ele olhou para a parede
de sua biblioteca e viu um arco e flecha pendurados como enfeite...Então, o acadêmico compreendeu que aquilo que ele
fizera com o arco e flecha, o índio fez com a máquina de escrever... Graças ao
ato artístico-subversivo do índio, o antropólogo compreendeu mais acerca de seu
próprio “mundo civilizado” do que lhe ensinaram os livros científicos. O índio era o outro do branco, mas o branco
também era o outro do índio. Nem todos são brancos, nem todos são índios, mas
todos são outros: o outro é o valor mais universal. É esta universalidade da
Diferença o que o poder paranoico mais
teme, e é contra ela que ele quer impor seu modo de viver homogêneo, “mesmal”. Nada contra o olhar
científico, nada contra o olhar objetivo e racional. Mas para conseguirmos
enxergar o que nos faz humanos nessa época trevosa, na qual até a barbárie é
tecnológica, só mesmo redescobrindo em
nós o olhar ancestral.
"Tenho em
mim um sentimento de aldeia e dos primórdios. Eu não caminho para o fim, eu
caminho para as origens. Não sei se isso é um gosto literário ou uma coisa
genética. Procurei sempre chegar ao criançamento das palavras. O conceito de
Vanguarda Primitiva há de ser virtude da minha fascinação pelo primitivo. Essa
fascinação me levou a conhecer melhor os índios” (Manoel de Barros)
quinta-feira, 29 de agosto de 2019
assobios...
Há uma passagem do livro “Assim falou
Zaratustra”, de Nietzsche, na qual
Zaratustra cede às lamúrias de um anão que o seguia. Queixando-se de
fragilidade, o anão suplicava amor e amizade
a Zaratustra, e lhe pedia para ir
em seus ombros. Uma vantagem o anão disse que Zaratustra extrairia desse favor:
o anão veria o caminho e guiaria Zaratustra. Então, Zaratustra instalou o anão
sobre seus ombros e seguiu sua viagem. Porém
não avançou muito, pois logo o anão começou a advertir Zaratustra dos
perigos do caminho, perigos estes que o anão acreditava ver logo ali adiante.
Zaratustra, contudo, nada via. O anão insistia, desesperado. Afirmava que logo
ali havia um abismo, e antes deste um muro, e antes destes ainda ladrões, e
lobos, e armadilhas, e a maldade, enfim. Chorando pelo destino dos dois, já se
imaginando roubados, envenenados, traídos, mordidos, dilacerados, enfim,
vencidos, o anão julgou que o melhor seria parar, sentar, talvez se ajoelhar, e
implorar aos carrascos perdão. Zaratustra já se inclinava para prostrar-se derrotado
quando, de repente, um grito veio de dentro dele e protestou : “Pera lá,
anão! Você quer é me submeter à tua covardia, às tuas pernas curtas!”.
Livrando-se das seduções da autopiedade,
Zaratustra expulsou o anão de suas
costas. Foi a voz da vida, da vida que resiste
e avança, que protestou contra a resignação que já tomava conta do querer de
Zaratustra. Em alguns, essa voz se faz alta para acordar e levantar
quando carrascos nos querem ajoelhados; noutros, nos já despertos, essa
voz se faz poesia e se transfigura
assobio, como em Manoel de Barros.
quinta-feira, 22 de agosto de 2019
o burro, o leão e a criança
Nietzsche diz
que o homem pode passar por três metamorfoses : a do burro, a do leão e a da
criança. O burro é aquele que diz “sim” ao que está dado: ele aceita,
passivamente, os valores estabelecidos. Sua forma de aceitação é “dar as
costas” para carregar. É assim que o burro se sente “útil” : carregando o peso
que em suas costas colocaram. Todos nascemos mais ou menos burros, pois
carregamos , desde a infância , os valores de um mundo que já achamos pronto,
dado. Quando o poder diz que só se deve
ensinar às crianças tabuada e gramática, e nada de artes e filosofia, o que ele
quer é manter submissos seus carregadores também no futuro. O leão pode nascer
do burro quando este sofre uma metamorfose, aprendendo a dizer “Não”. Ninguém
sobe no dorso de um leão: ele vê em tudo
uma jaula onde querem prendê-lo. O leão
é ferozmente crítico e cético,
imaginando que ser potente é negar . O
leão pode mais do que o burro,
porém é incapaz de criar , pois
para criar é preciso crer. E o leão em nada crê. O leão imagina que crer é ser como o burro que ele já foi. Do
leão pode surgir nova metamorfose: a
criança, aquela que redescobre a força do “Sim”. Pois o Sim da criança não é
como o sim alienado do burro. O Sim da
criança sobreviveu ao não do leão, o incorporou como crítica, porém vai além
dele, tornando-se afirmação de uma potência
criativa . A criança não carrega, como o burro; nem ruge e ameaça, como o leão.
Ela libertou-se de todo peso, corre e dança, e há nela uma força mais poderosa
que a dos dentes e garras. O burro é refém dos valores do presente que o esmaga e aliena; já o leão
nasceu quando este presente virou passado que o leão não quer mais que se
repita. Mas a criança é , ao mesmo tempo, metamorfose no presente e libertação
do passado em razão de uma crença ativa no futuro , uma “linha de fuga”, como criação
de novas possibilidades para a vida, a despeito das forças obscurantistas que
ameaçam retê-la. Não se trata de otimismo ou esperança: “Só podemos destruir sendo
criadores”(Nietzsche)
segunda-feira, 19 de agosto de 2019
domingo, 18 de agosto de 2019
o canto de orfeu
Certa vez as Fúrias, deusas do ódio e
da vingança, queriam dominar o mundo, e viam no poeta Orfeu um obstáculo , pois
o cantar de Orfeu despertava nas pessoas as ideias de beleza, dignidade e amor à vida. As Fúrias ordenaram que Orfeu se calasse, porém o poeta
não obedeceu. Então, elas despedaçaram o poeta, começando por lhe cortarem a
cabeça separando-a do corpo. Mas a cabeça do poeta continuou a cantar, e cantava ainda mais forte, com seu
canto indo mais longe , pois a voz do poeta uniu-se à
liberdade e fez dela o seu corpo
:sua voz agora não era só dele, era de
todos que não se calam.
“A literatura é o esforço para
interpretar engenhosamente os mitos que não mais se compreende, por não
sabermos mais sonhá-los ou produzi-los.”(Deleuze)
( parte do que escrevi interpreta uma
passagem deste livro , um dos melhores
sobre mitologia. A ideia de “criança divina” não tem conotação religiosa, mas
puramente poética , como diz Manoel de
Barros: "A liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças”)
sábado, 17 de agosto de 2019
os porcos e seus negócios...
O filósofo Leibniz dizia que se a gente
prender uma semente na mão com o tempo ela apodrece. Mas se a gente plantar a
semente, cuidar e cultivar, dela nascerá uma árvore. Da árvore nascerão
incontáveis frutos : dentro de cada um, uma nova semente. Se a gente plantar
essas novas sementes delas nascerão outras árvores, cada uma com inumeráveis
frutos, cada um grávido de novas sementes. Naquela primeira semente havia virtualmente
uma floresta inteira , uma floresta-potência, assim como em uma criança está a humanidade à espera de
crescer. Pois humanidade não é uma quantidade numérica afim a rebanhos, mas uma potencialidade inseparável
de nossa singularidade, e que se cultiva com educação, afeto e liberdade . Para uma potencialidade florescer,
da semente ou de uma criança, é preciso um exercício de cuidado e um espaço
aberto livre de estreitezas. Dentro de uma ideia viva há outras ideias, infinitas ideias, pois toda
ideia viva é plural e múltipla, já nos ensinava Espinosa. Educadores plantam ideias-sementes,
obscurantistas se armam com motosserras.
Reduzindo a vida a mero negócio, esses obscurantistas só aceitam sementes que possam manipular
como se fossem moedas. Quando as plantam, tais sementes se tornam tão fracas
que, para se manterem vivas, precisam de veneno, de muito veneno, que mate as outras vidas diferentes delas . Então,
os obscurantistas derrubam as heterogêneas
e múltiplas florestas , deixando no lugar apenas morte e deserto .
Depois cobrem esse deserto com soja homogênea parecendo um rebanho vegetal , que
vira ou óleo para fazer as engrenagens do Capital girarem ou farelo que só aos porcos engorda.
“Poeta é ser que vê semente germinar.
Nas fendas do insignificante ele procura grãos de sol” (Manoel de Barros).
quinta-feira, 15 de agosto de 2019
anti-tirania
Há um aspecto muito pouco citado,ou
talvez pouco conhecido,em relação aos primeiros filósofos-pensadores gregos
(assim chamados de "pré-socráticos"): eles se opunham aos tiranos , e
por estes eram perseguidos .Esses primeiros filósofos eram chamados de
"sábios" não em razão de virtudes teóricas contemplativas, mas porque
a palavra "sábio" nasceu para designar a antítese do tirano. Assim, o
sentido original de “sofia”, como raiz da filosofia, é : “anti-tirania”.
quarta-feira, 14 de agosto de 2019
a fonte, o rio e o mar
Quando um acontecido passa e se torna
passado, e entre o acontecido e nós vai aumentando uma distância que só o tempo pode medir ( pois
não é uma distância no espaço), esse passado que passou , sua passagem e o seu
ficar para trás, é algo irreversível? O que passou se vai e nunca pode ser de
novo vivido a não ser como um fantasma que se evoca ? Ou será que é o passado
que retém e salva o que no presente passa? Afinal, dizia Bergson, não é o
passado que passa, quem passa é o presente. Não é o acontecido que se afastou,
fomos nós que nos afastamos dele? Somos como peixes que saíram da nascente do
rio onde nascemos e fomos ao mar? É possível, tal como fazem os peixes, desterritorializar-se
do mar, entrar de novo na foz do rio,
subi-lo contra a correnteza e alcançar de novo a fonte onde nascemos? Se isso
for possível, esse retorno ao passado não é nostalgia, ele é o intuir a vida que nunca se separa totalmente de si mesma. Ir para o passado não é um voltar, mas um
ir para dentro, cada vez mais próximo de onde o tempo brota, para assim descobrir, intuindo, que é o próprio tempo a água que se torna rio, avança como fluxo e se horizonta, azul, como mar.
o nascimento de Bios
Segundo o mito, antes de tudo
existia o Caos. Para os gregos, o “caos original ” não é destruição ou
trevas. Um dos sentidos de caos é
“Abertura Ampla”, que não pode ser cercada, limitada ou contida. Manoel de Barros diz que “não se
pode passar régua no Pantanal”, pois no Pantanal os rios saltam das margens e
se horizontam. O Pantanal é o caos poético de Manoel. E é por isso que em cada verso dele podemos
achar aquela Abertura da qual vem um ar
vital que não nos deixa sufocar. No
mito, foi do Caos que nasceu a primeira divindade: Gaia, a Terra. A palavra
"nascer" não é muito adequada, pois todo nascer pressupõe um pai e
uma mãe. O Caos não é homem ou mulher, macho ou fêmea, tampouco o Caos é filho
de alguma coisa. O adequado talvez seja dizer que Gaia emergiu do Caos, tal
como uma ilha que sobe do fundo de um oceano insondável. Gaia é a Ancestral Mulher. De Gaia nasceu Uranos, o
Céu. Também aqui "nascer" é um termo inadequado, pois Gaia não tinha
par: ela era plenamente ímpar, como tudo o que é singular. Talvez seja mais
adequado dizer que o Céu-Uranos foi um pedaço da Terra que se separou dela,
pondo-se acima a gravitar. Nessa época , a Terra era toda ventre, múltiplos
ventres. Cada ventre era uma caverna que
se estendia até o Caos, a imanência fértil. E foi por um desses ventres que
veio ao mundo Eros, o Amor. Este ocupou o lugar vazio entre a Terra e o Céu. O
Amor tem por força unir o que está separado. Pela ação do Amor, o vazio entre o Céu e a Terra foi
vencido: o Céu deitou-se então sobre a Terra,
e as estrelas do Céu plantaram-se
na Terra, tornando-se sementes. Foi assim que nasceu “Bios” ( a “Vida”) :
como estrela do céu tornada semente da terra. E
é de Bios que nasce tudo o que vive. De Bios nasceram o Tempo ( Cronos) , a Justiça (Zeus) , a Arte (Dioniso) e a Sabedoria (Atenas). Semente que nunca
seca, apesar dos atuais desertos, de Bios
continuam a nascer as crianças , as flores, os bichos, as ideias, os
poemas, as resistências, as utopias ...e o desejo de que amanhã seja um novo dia.
"Poesia é celestar as coisas do
chão."(Manoel de Barros)
sábado, 10 de agosto de 2019
a vida de Sofia
1. A filosofia não nasceu na Grécia.
Ela foi deixada lá ainda criança, como aqueles bebês deixados à porta de alguém que inspira confiança.
Inclusive, a tez da filosofia é mais escura e mestiça do que a branca pele
grega. Há quem diga que seus pais eram Egípcios; outros afirmam que foram os
Assírios que a conceberam; e há quem defenda ainda que os pais da filosofia
foram os nômades povos do deserto que se guiavam pelas estrelas e que nenhum
império , por mais que tentasse,
conseguiu prender e escravizar . A porta em que a filosofia foi deixada para
ser cuidada pertencia à casa de um homem digno chamado Tales, que deu o nome de
Sofia à criança. Ele a criou e a ensinou
a ficar de pé.Com Heráclito Sofia aprendeu a brincar; com Nietzsche, a dançar;
e a fazer-se mais viva Sofia aprendeu
com Espinosa, diante dos
obscurantistas que a querem
morta.
2. Quando alguém cobra honestidade
dos políticos, este alguém está a filosofar, pois exige
uma virtude ética: a honestidade. E Ética é uma disciplina da filosofia.
Se alguém diz: “o que esse cara fala não tem lógica! ”,
também está a filosofar, pois Lógica é uma disciplina filosófica. Quando alguém
afirma : “ essa música é bela!”, também filosofa, pois o “belo” ( assim como o feio, o cômico, o sublime, etc) é uma categoria da Estética, uma disciplina
da filosofia. Se alguém diz: “Sou pragmático, odeio teorias”, também está a
filosofar, pois “Pragmatismo” (assim
como “Utilitarismo”) é uma
corrente da filosofia. E mesmo quando alguém questiona : “para que estudar
filosofia?”, também está filosofando,
pois indaga sobre a Teoria do
Conhecimento ( ou Epistemologia), uma disciplina da filosofia. Enfim, é
impossível alguém estar vivo e não se
colocar questões como: “O que é a vida
?O que é o tempo? O que é a liberdade? O que é o amor? O que é a política? Quem
eu sou?...” Quem formula tais perguntas,
vislumbrando sentidos para elas, também está a filosofar, mesmo que não tenha lido
livros de filosofia, pois essas são
questões de uma disciplina da filosofia chamada “Metafísica”. Há ainda
as crianças , que são filósofas /questionadoras por natureza, porém um
sistema adestrador lhes corta as asas. Assim, uma coisa é a filosofia , esta se encontra nos livros escritos pelos filósofos; outra é o filosofar, cujo sinônimo é pensar. E
o pensar é uma exigência da vida, quando vivida de maneira não resignada. Mas para
potencializar o pensar próprio e vencer a mera “doxa” (opinião), é necessário ler os filósofos ou assistir aulas de filosofia.
Quando desse aprendizado advém uma
paixão pelo pensar, nasce o desejo de
ser filósofo ou filósofa, para que Sofia continue viva por meio de nossas
palavras e ações.
Os tiranos sempre temem o pensar, e
fazem o máximo que podem para impedir que as pessoas, sobretudo os jovens,
façam essa descoberta do pensar ,
ou se já o descobriram, não o exerçam
( não importando a faculdade que tenham escolhido cursar). Descobrir o
pensar é governar a si mesmo. E apenas os tolos e obedientes , os mortos em
vida, dizem “amém” à “cicuta” que esses protofascistas querem impor
a todos ( e não apenas aos filósofos e sociólogos).
quinta-feira, 8 de agosto de 2019
o um de Dante
No mundo do
racional Aristóteles, a realidade se divide em realidade primeira e realidade
segunda, esta a depender daquela. A realidade primeira é a substância enquanto
forma pura unida a uma matéria, que é o
suporte da realidade segunda, por Aristóteles chamada de acidentes. São acidentes o tempo, a
quantidade, a qualidade, a ação, o lugar, etc. Os acidentes não existem em si:
eles existem na substância. Da substância dependem os acidentes, e apenas de si mesma depende a substância para existir. É a substância o sujeito da essência. O poeta Dante fará a seguinte pergunta: e o amor, ele é um acidente de uma substância ou a própria essência de uma substância? Se ele for acidente, existirá em outra coisa que não o
amor. Mas pode o amor existir em outra coisa diferente dele? Não pode...Mas se
o amor for a forma de uma substância, não é contrário ao amor ser uma pura forma? O amor morre se for apenas uma pura forma sem corpo; o amor carece de essência se for apenas um acidente.
Para o poeta, o amor é substância cuja essência é amar substancialmente , e que transmuta os acidentes em acontecimentos nos quais existe e persevera , de tal modo que cada tempo é sua hora, cada quantidade é seu número , cada qualidade o colore , cada ação o realiza , cada lugar é sua morada, na vida e poema tornados um.
Para o poeta, o amor é substância cuja essência é amar substancialmente , e que transmuta os acidentes em acontecimentos nos quais existe e persevera , de tal modo que cada tempo é sua hora, cada quantidade é seu número , cada qualidade o colore , cada ação o realiza , cada lugar é sua morada, na vida e poema tornados um.
quarta-feira, 7 de agosto de 2019
sumário: livro sobre manoel
Inventar aumenta o mundo.
Manoel de Barros
O pensar não é do Ocidente ( Razão) e nem do Oriente
(Mística).
Avicenna
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS , 5
INTRODUÇÃO , 7
- PRIMEIRA PARTE: A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA DO DESLIMITE , 18
1. A Expulsão do Poeta da República da Razão: o problema da Mimese , 18
A quem deve pertencer a coroa do reino da linguagem? / A Sensação não cabe em
uma forma / A linguagem como espelho do Real / O problema da Diferença / A
razão como cocheiro / Arte egípcia X arte grega
2- Estética da Forma e Estética do Deslimite, 38
Experiência e Experimentação / Espírito Clássico e Espírito Romântico /
Geofilosofia / Caos-Germe: a luta contra os clichês / “Inventar aumenta o
mundo”
- SEGUNDA PARTE : UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO , 60
1- “Retrato quase apagado em que se pode ver perfeitamente nada” , 60
O imperceptível / Um sujeito larvar / Espaços lisos / Rebeldias
2- Ninguém pode “passar régua” nos Territórios Existenciais , 66
Da subjetividade / Da necessidade de aprender a desaprender/ Uma fonte que se
alimenta de escuros
TERCEIRA PARTE: O DESLIMITE DA NATUREZA , 72
1- Desformar a natureza , 72
O instinto lingüístico / O deslimite / Ordinário, extraordinário
2- Ignorãças , 80
Individuação e poesia / “Nadifúndios”/ A arte de ser com as coisas/ Devir,
Repetição e Diferença / A arte de ser Outro / Inventar comportamento
3-Olhos de descobrir , 101
Transver o mundo / Devir-Criança / O que pode um corpo?
QUARTA PARTE : O DESLIMITE DA PALAVRA , 111
1-Da Pragmática , 111
A Língua / Representação e expressão / A quarta dimensão da linguagem: o sentido
2- O agramatical , 120
Um devir-outro da língua / Empoemar as palavras / O delírio é uma sensatez
3- O reino da despalavra , 127
O afeto / Desarrumar a cartilha, errar a língua
CONCLUSÃO: O VOO INTERROMPIDO POR UM PONTO , 134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS , 144
sábado, 3 de agosto de 2019
a imitagem
“Museu” provém de “Musa”.
Originalmente, “musa” significa “conhecimento”. Tanto os poetas quanto os
filósofos pré-socráticos evocavam as Musas para auxiliá-los na seguinte tarefa:
vencer o esquecimento daquilo que não pode ser esquecido. Assim, o conhecimento
das Musas não é só intelecto ou razão,
ele é , também, recordação: “re-cordis”, “trazer de novo ao coração”,
como lugar do Afeto. No mito, as Musas são filhas de Zeus , divindade ligada à justiça
e à ética, com Mnemósyne, Deusa da Memória.
Zeus uniu-se a Mnemósyne após uma guerra vencida por ele contra as
forças da barbárie vinculadas à
ignorância em seus variados aspectos. Dessa união entre a ética e a
memória nasceram as Musas, divindades da cultura e do patrimônio. Assim, todo patrimônio cultural nasce do matrimônio gerador de uma ética da
memória, de uma memória da ética. A cultura não existe apenas para relembrar
algo que se deu no passado e passou. A cultura existe para fazer lembrar e dar a conhecer que se é
possível vencer a barbárie da violência física e simbólica. Foi este
acontecimento a origem da civilização , da educação e da cultura: a luta contra
a ignorância, que apenas o intelecto sozinho não consegue vencer. Pois não é
uma ignorância em relação a não saber
matemática ou “cartilhas”, mas ignorância acerca do que é a justiça, a ética, a
arte, a natureza, enfim, a vida. Ontem e hoje, as forças da barbárie sempre
ameaçam de destruição a cultura, porém nunca
conseguirão destruir sua ideia geradora, enquanto mantivermos viva em nós ,coletivamente,
a recordação daquilo que nos faz humanos, e não bestas acerebradas.
Segundo o poeta Manoel de Barros,
todo ato criativo é uma “imitagem". A imitagem
não é um tornar-se mera cópia de
um Modelo ou Padrão. Ao contrário, a imitagem
é a produção de uma diferença ,
como nos ensina a pequena menina em
sua fabricação brincativa de um estilo .
Em toda imitagem há uma aprendizagem
não escolar de uma diferença que se afirma compondo-se, em liberdade. Em sua
imitagem, é a menina, e não a escultura, a obra de maior arte. Que a pequenina
Musa, em sua inocência brincativa, nos
ajude a não esquecer o que precisa ser sempre lembrado: que vida é invenção , justiça e arte, e que isso nos dê forças ante a barbárie.
"Às vezes começa-se a brincar de pensar. E eis que, inesperadamente, é o brinquedo que começa a brincar com a gente"(Clarice Lispector)
"Minha poesia não tem função explicativa, só brincativa (Manoel de Barros)
"Minha poesia não tem função explicativa, só brincativa (Manoel de Barros)
quinta-feira, 1 de agosto de 2019
a vida é inocente...
Nietzsche conta mais ou menos a
seguinte história: Imagine que um homem ultraconservador (como esses que
idolatram o bozo ) adquirisse o poder de
julgar a
vida colocando-a como réu a ser julgada . Ele poderia examinar sua própria vida como se fosse um
filme que ele assistisse de frente para trás, do presente para o passado, com o poder de “apagar” os acontecimentos que ele
julgasse não terem merecido existir, por não estarem de acordo com sua rígida
visão moral e religiosa. Então , ele
começa por examinar seus 20 anos e nessa idade vê que ele fizera coisas que não
merecia ter feito, como se embriagar muito, por exemplo. Assim, ele “apaga” de
sua existência esse acontecido. Porém, ele julga que a causa do “mal” está mais
atrás ainda. Ele vai até aos 15 anos e descobre aí coisas a apagar, como o ter se trancado no banheiro com revistas
pornográficas. Ele apaga essas coisas que a moral condena. Mas ele julga estar
mais atrás a causa do “mal”. Ele vai então aos 10 anos. Encontra também nessa
idade coisas a apagar, como o ter matado aula para ir jogar bola . Porém, o
“mal” parece estar em idade mais recuada : ele vai aos 5 anos e mesmo aí acha o que culpar. Talvez, ter
assaltado a geladeira para comer escondido o doce que a mãe proibiu, ou ter
brincado escondido de médico com a vizinha. Mas o “mal” parece estar mais atrás ainda. Ele vai
então aos 12 meses de idade, mesmo aí a moral acha o que condenar, talvez o
fato de o menino sujar as fraldas. O homem prossegue ainda mais no exame de sua
vida, pois crê que a causa do “mal” está mais atrás ainda. Ele se vê com três
meses, e se envergonha em ver-se sugando o seio da mãe, a isso ele apaga...Ele
vai ao 1 mês de vida, mesmo aí ele encontra o que condenar, talvez o chorar
muito ...Mas o “mal” deve estar mais recuado: o homem se vê com 1 dia de vida,
e mesmo aí ele encontra o que condenar e apagar, sabe-se lá o quê, talvez a
nudez do corpo. Ele vai mais atrás ainda: se vê com 10 minutos de vida, com 10
segundos, 9, 8, 7...3, 2,1...ele vai nascer...Ele pode julgar esse
acontecimento como um mal e apagá-lo? Se
ele julgar esse acontecimento como um mal e quiser apagá-lo, não seria esse
homem um ressentido, um doente, um louco? A vida é inocente, é preciso
protegê-la de tais homens, sobretudo quando
eles querem ter o poder de educar as crianças ou governar o Estado.
Visto sob o ângulo existencial, homens assim
odeiam ter nascido. E sua aspiração
para ter poder teológico-político não é para governar, mas para se vingarem daqueles que afirmam ,com o máximo de potência
que podem ,um sim incondicional à vida.