No poema “Agroval”, Manoel de
Barros narra o que faz uma imensa arraia
quando as águas do pantanal secam e põem a vida em risco: a arraia abre suas
grandes asas e pousa no barro, retendo
parte da água abaixo de si. Entre seu abdômen e o chão úmido a arraia inventa um “pantanal menor”, um
pantanal de resistência. Para que a vida não morra, a arraia convida tudo o que
vive para vir morar sob suas asas. Migram e se instalam ali não apenas bichos,
instalam-se também sementes e brotos de futuras
flores, de tal modo que debaixo da arraia tudo o que vive acha um ventre. Sob a proteção de tal Gaia, a vida
continua, resiste, cresce, fortalece-se; sob o coração da arraia acontecem
alianças, agenciamentos, contágios, enamoramentos da vida por ela mesma, una e
múltipla. Até mesmo uma festa se esboça, feito uma Kizomba a celebrar a vida salva pela Vida.
Pois lá fora, quando as águas secam, os
predadores sorrateiros lucram com a
morte, e ficam à espreita . Mas a arraia é forte, resistente, não a vencem os predadores oportunistas. Não seria tal
ação da arraia o modo como a própria natureza nos ensina o que é a virtude
ético-política que Espinosa chamava de “fortaleza”?
Não seria tal comunidade de resistência pela
vida a expressão na natureza daquilo que nossos ancestrais ,em luta contra a tirania, nomearam
Quilombo?
“Poesia pode ser que seja fazer
outro mundo”(Manoel de Barros)
“Se roubam a liberdade de um
poeta, ele escapa por metáforas”(Manoel de Barros)
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*"Agroval" é um neologismo criado pelo poeta e significa: "lugar onde se cultiva a vida".
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