terça-feira, 17 de julho de 2018

poema & conceito


Poesia não é apenas versificação,
ela também é fabulação, narração de mundos.
Paulo Leminski

Segundo o poeta Leminski, três são as produções mais originais da mente: o Mito, o Conceito e o Número. A arte tende ao Mito, a filosofia se apoia no Conceito, a ciência só confia nos Números. O Mito é fabulação, o Conceito é conhecimento, o Número é descrição. Durante muito tempo, havia apenas o Mito. Depois, o Conceito veio tomar-lhe o posto . Hoje, o Número pretende dar conta de tudo.
Em sua origem, o Mito não era arte, pois a arte somente existe enquanto se refere a outra coisa diferente dela. A arte nasceu quando o homem tomou consciência da distinção entre algo que é real , “em si”, (não sendo, por isso mesmo,  inventado) e sua imagem produzida , enquanto realidade segunda, sensível. A realidade  pode ser coisa ou afeto. A pintura, por exemplo, imita a coisa, ao passo que a música imita o afeto . A poesia reúne pintura e música, por isso imita coisa e afeto, faz do afeto uma coisa real.  
Quando predominava o Mito não havia, portanto, distinção entre realidade e invenção. E talvez seja este o caráter imorredouro do Mito: a percepção de que toda realidade é invenção, mesmo a realidade que os Números pensam descrever “neutra e objetivamente”.
Somente quando surge o Conceito filosófico é que se teve, ou se inventou, a consciência da distinção entre realidade e invenção. Em Platão, por exemplo, o Conceito  nasce quando o Mito perde sua força geradora de mundos. O Conceito emerge desqualificando o Mito :este apenas balbuciaria a realidade sobre a qual o Conceito, e somente ele, sabe dissertar  com raciocínios  lógicos.  O Conceito substitui, ou crê substituir, o Mito como autoridade única para oferecer resposta à indagação fundamental: para quê e por que existimos? O Conceito pretende explicar a Origem e o Fim de toda existência, e não apenas da existência humana. O Conceito assim procede quando faz Racional Metafísica.  Porém, embora refute o Mito, o Conceito o absorve para fins pedagógicos, tornando-se a parte retórica e alegórica da filosofia. Por outro lado, o que era apenas um método ou andaime para o Conceito subir, o Número,  torna-se , com o tempo, o único critério objetivo para a mente se libertar da imaginação Mitológica e do pensamento metafísico, pois ambos impediriam a mente conhecer cientificamente a realidade, não a confundindo com fantasias e sonhos de olhos abertos. Com o triunfo da ciência, reina o Número.
Contudo, o infinitamente pequeno e o infinitamente grande parecem resistir a tal quantitativismo descricionista, de tal modo que a cosmologia e a microfísica contemporâneas parecem retornar ao Mito, ao mesmo tempo que reatam amizade com a metafísica.
Queremos introduzir um quarto elemento nessa trindade Mito-Conceito-Número. Talvez esse quarto elemento seja um todo do qual cada um dos três é um diferencial, uma parte. Esse quarto elemento é o Poema. O poema é invenção de mundos, instauração de “por quês?” e “porquês”, sendo também uma forma de conhecimento do mundo. O Poema pode auxiliar a mente a parar de brigar com a mente, quando esta se autodivide em impérios estanques.  A mente é apenas uma, conquanto se expresse vária. Não seria isso, talvez, o que Espinosa nomeia “Ciência Intuitiva”?





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