quarta-feira, 7 de março de 2018

geometria do deslimite (3)

A relação de nosso intelecto com a verdade
é como a do polígono com o círculo:
a semelhança com o círculo
aumenta com a multiplicação
dos ângulos do polígono.
Mas a não ser que se transforme em círculo,
nenhuma multiplicação de seus ângulos,
mesmo que infinita,
fará com que o polígono
iguale o círculo.

Nicolau de Cusa

  
      Quanto mais lados um polígono possui, mais próximo ele está do círculo. Um triângulo possui três lados, o quadrado possui quatro. O quadrado está mais próximo do círculo do que o triângulo. O hexágono está mais próximo do círculo do que o quadrado. O hectágono, polígono que tem cem lados, está mais próximo do círculo do que o hexágono. O megágono, polígono de um milhão de lados, encontra-se mais próximo do círculo do que o hectágono.Um bilhão de lados possui o gigágono,  e isto o faz estar mais próximo do círculo ainda.  Mas acima do gigágono existem ainda outros incontáveis polígonos com mais lados ainda, todos se superando em estar mais próximo do círculo.

Um círculo, porém, não possui um trilhão ou um quatrilhão de lados, pois ele simplesmente não possui lados.Por isso, a única maneira de um polígono alcançar o círculo  é se tornando um, é coincidindo com ele.Um polígono somente pode alcançar o círculo se libertando do afã de ampliar seus limites, pois é isto o que acontece quando ele aumenta seus lados.Coincidir com o círculo é um deslimite, diria Manoel de Barros.
Comparado com um polígono que tem menos lados, o polígono de mais lados parece que está mais perto do circulo.Mas comparados com o próprio círculo, todos os polígonos lhe estão a igual distância, dado que o círculo é incomparável.

 Como o círculo  não possui lados, ele está além ou aquém da lógica dos lados e das quantidades. O círculo não tem lados em excesso, tampouco lhe faltam lados.
A inteligência é como o polígono: ela tenta alcançar a Vida aumentando as teorias, tal como o polígono que aumenta seus lados achando que assim alcançará o círculo.Física, química, biologia, matemática, sociologia, psicologia, etc., são os lados do polígono-inteligência. Contudo,  mesmo que se aumente indefinidamente a quantidade cumulativa de tais ciências, nunca elas alcançam o todo da Vida, pois este todo é um processo, um devir. Diferentemente da inteligência, o pensamento é como o círculo:sua riqueza e multiplicidade não advém do aumento de teorias.
O pensamento coincide com a Vida.Ele já está nela, e ela já está nele, em sua imanência.No círculo  absoluto da Vida , o pensamento , a poesia e a vida são a mesma coisa: produção, poiésis.
O círculo da Vida, porém, não tem centro ou perímetro determinados. Ele é um círculo cujo centro está em toda parte e cujo perímetro não está em parte alguma.
Todos os polígonos estão no círculo, ele que não é teoria, mas ideia  ̶ ideia que também é Afeto.
Olhado apenas nele mesmo ( como Natura Naturante, diria Espinosa), o círculo é a coisa mais simples que existe. Porém quando intuímos todos os  polígonos que estão compreendidos nele, o círculo nos aparece então como a coisa mais complexa que existe, pois é a mais variada, múltipla, rica, mas sem deixar de ser simples.Todos os polígonos estão no círculo, sem que isto o aumente ou exceda.
Não é aumentando ou diminuindo os lados que um polígono pode coincidir com o círculo.Não é aumentando a inteligência que se alcança a sabedoria, não é contando todas as estrelas que existem no universo que se compreende intuitivamente o que é o céu.Não é meramente aumentando o número de ações que fazemos que nos tornamos ativos, não é proliferando o número de palavras que dizemos que aprendemos a ter o que dizer. Mesmo que tivéssemos um trilhão de dias para viver isto não significaria que , somando esses dias, chegaríamos a viver a eternidade, pois esta somente a podemos viver se coincidirmos com ela.
Um polígono apenas  pode coincidir com um círculo na medida em que se liberte do aumentar e do diminuir, isto é, quando não está mais refém da comparação quantitativa. Não é aumentando os lados que o polígono aumenta sua potência. O círculo é a figura de maior potência, exatamente porque esta não aumenta ou diminui, mas é plenamente, afirmativamente.





            





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