Acabo de
rever Blade Runner. Assisti a esse filme
no cinema há mais de trinta anos. O
filme falava de um futuro que não era, àquela época, tão distante, porém não
era também tão próximo, de tal modo que era crível o cenário que ele construía
para 2019!
O filme fora lançado em 1982. Parecia que, de fato, teríamos carro
voando dali a 35 anos, bem como colônias interplanetárias, robôs humanoides e coisas semelhantes. Hoje, olhamos para esse passado e percebemos que o futuro que ele
planejou era ideológico, como ideológica é toda construção de futuro baseada na
simples tecnologia. Porém, quando cresce uma geração nova, parece que a lição é
esquecida, e novamente a tecnologia assume os ares de profeta de um futuro que nos salvará das mazelas do presente ( como se fosse ela, e não a política, a agente da autêntica mudança).
No
entanto, o futuro que a tecnologia de hoje vislumbra revela mais o estágio da tecnologia
atual do que nos faz conhecer a tecnologia que será. A tecnologia somente pode prometer mais tecnologia, ela promete mais dela mesma. No entanto, é possível haver mais tecnologia sem haver , ao mesmo tempo, menos humanismo?
Além disso, quando se trata de
cinema, com o passar do tempo as ficções científicas mudam a imagem do futuro de acordo com as possibilidades
tecnológicas de determinado tempo presente. Em geral, os jovens de hoje riem
de filmes como Jornada nas Estrelas e semelhantes, porém aceitam como crível
filmes como Avatar e congêneres. O futuro muda conforme muda a imaginação
presente do que seja o futuro. E o que faz a imaginação presente mudar nunca é
uma ideia adequada do tempo, mas sempre
a alienação de cada geração nova acerca do seu tempo presente. Ou seja, é
sempre do presente que tais ficções científicas tratam, um presente que se
projeta, imaginativamente, como futuro.
Contudo,
quando examinamos a história das línguas, percebemos que elas mudam ao longo do
tempo. O português, por exemplo. O português falado há 100 anos não é o mesmo que o falado hoje. Porém há 100
anos era impossível aos falantes de
então saber como seria o português falado hoje, pois o português de agora é fruto de invenções não apenas linguísticas,
mas também sociais e mentais. Não se pode prever como será aquilo que , para
se tornar real, precisa ser inventado!
Como
será o português que se falará daqui a 100 anos? Ninguém sabe...Isso porque não
é a língua que muda sozinha, é a vida que a muda, vida que pensa, age,
afeta-se. Vida essa que não é totalmente científica, embora seja ela que cria
ciência e ficções científicas.
O português de amanhã não é criado nas academias,
tampouco o está criando o linguista ou aqueles que falam corretamente as regras da gramática,
que são aqueles que têm mente científica. Quem cria o português de amanhã são
os que estão à margem do social, e por isso vivem a margem da língua. Quem muda
a língua também são os que vivem nas margens metafísicas, sobretudo os poetas. As
margens metafísicas são aquelas que não podem ser ditas pelos significados
dominantes a serviço do poder dos que dominam o mundo “objetivo” de hoje.
Não é
a tecnologia expressa em aparelhos (celulares, computadores, etc.) que muda o mundo, o que muda o mundo é o que
muda a mente que dá sentido ao mundo. O que muda a mente é a língua que molda o significado que o mundo recebe, incluindo o mundo da tecnologia. É a língua a matriz de toda tecnologia, pois a língua é uma "tecnologia mental".
No entanto, um artista da língua, um inventor de sentidos, enfim um poeta, não é um tecnólogo , ele se assemelha mais a um artesão, a um arqueólogo, a um explorador. Ele alcança origens muito mais originais:o poeta muda o que muda a mente, dado que ,
nele, é o sentido que é inventado primeiro, antes mesmo da distinção entre
mundo e mente.
O poeta não quer falar a língua que será falada em um futuro
distante, ele deseja inventar um sentido para o que não cabe no ontem, no hoje
e nesse amanhã que a ciência ficcionaliza. O poeta quer dizer o que não cabe em nenhum
dizer, de ontem ou de amanhã, mas que apenas hoje ele pode dizer, embora esse
dizer não seja de hoje, como é apenas de hoje a palavra que tão somente informa.
No
filme Blade Runner, os homens
inventaram robôs-exploradores , chamados “replicantes”,
para estes irem até onde os homens não
conseguem ir no espaço exterior. Os poetas são "replicantes" que a própria vida
inventou, como “imitagem” dela mesma, para que eles povoem a terra que os
homens também não alcançam. Essa "terra" é um espaço mental interior tão amplo como aqueles espaços infinitos que as ficções científicas apenas imaginam.
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