Muitas horas depois de um homem ter ali estado, ou simplesmente passado, por ínfimo que tenha sido o tempo, um elefante é capaz de sentir-lhe a presença, só com sua tromba, sua natural antena, de tal modo que ainda perdura o acontecido no acontecimento. Vejam bem: disso é capaz um simples elefante, o que nos mostra o quanto era ignorante Descartes , o pai da decantada ciência, que jurava carecer todo animal de espírito, alma, memória, sentido. Contudo, mostra-nos o elefante que, muito depois de termos estado, estamos ainda: de forma sutil,mas não fantasmagórica. O elefante não capta um mero espectro ou fantasma, mas a tradução física da alma.O elefante não é um médium ou sensitivo, ele vê o que foi ,sendo ainda: sem ciência ou mística, sem se gabar que Deus o ajuda, como se um iluminado ele fosse.
Quem souber sentir, e suas antenas despertar, verá o acontecido como presente ainda. Intuirá o acontecido como experiência de uma fina percepção, e não como representação da pesada memória, pois experimentará o acontecido como parte do mundo a acontecer ainda : sobre as pedras do porto desenterrado da Praça Mauá ainda se podem ouvir passos arrastados , descalços,presos às correntes...
O poeta, o escritor, o pintor, talvez a criança, veem esse tempo que não é o presente que passa, ou o passado que passou.É o tempo do Acontecer eterno, que dura, se estende, mas não passa, e que mostra que o tempo é um com o espaço. Neste Acontecer, o acontecido ainda é parte do acontecimento que fende os limites do limitado momento. O que foi ainda permanece, no acontecimento a acontecer. O acontecido dura presente a si mesmo, sem se apagar pelo esquecimento, sobretudo pelos esquecimentos de que é feita a História.
Na pegada ainda estão os pés de quem ali passou, mesmo que tenha milhares de anos o barro onde eles se empedraram. E é a presença desses pés que a pegada testemunha que nos faz supor o que eles buscavam: é esse rastro o signo que toda vida deixa, é ele que orienta e apoia todo viver que se alça para além do que está dado.
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