sexta-feira, 11 de novembro de 2016

manoel de barros, a semente e o monturo






Poeta é o ser que vê semente germinar.

Manoel de Barros
                                                                                  




No poema O guardador de águas*, Manoel de Barros descreve o seguinte acontecimento: sob um  monturo de restos de ossos , de folhas  apodrecidas,  de cacos de vidro   e farrapos do que outrora respirou e foi vivo, sob tal monturo que a natureza recolheu sem preconceito ou condenação, no ventre desse casulo úmido uma semente despertou: libertou-se dela um pequeno dedo, que virou mão tateando, depois braço que achou o caminho. Uma fuga foi-se desenhando, e o que era obstáculo tornou-se escada e sinalização para a vida ir para fora , fazendo-se impulso para a vida que se expandia. Movia esta vida o desejo de ver o sol, o sol que ela nunca viu. Esse desejo perfurou o monturo, abriu-lhe uma porta  e uma janela, pela qual saiu a pequena planta cantando a potência  de existir.

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O guardador de águas, guardador de fluxos. O fluxos  somente podem ser guardados em um espaço aberto, sem limites determinados, cujas margens sejam limiares que por dentro se podem expandir. Guardar os fluxos é cuidar também deles, a começar pelos fluxos que nos constituem: caute,como recomendava Espinosa; cuidado: como ato  ético e também  clínico. Em Manoel de Barros, a essência não é uma "forma fixa", ela é um "minadouro": dela brota e mina inauguramentos.Guardar os fluxos só o podemos em um espaço múltiplo, ao mesmo tempo subjetivo ( lírico) e objetivo ( prosaico).Guardar as águas é guardar-se nelas, como larva, rascunho, desabrimentos:"estou à janela e só acontece isto: vejo com olhos benéficos a chuva, e a chuva me vê de acordo comigo. Estamos ocupadas ambas em fluir"( Clarice Lispector, A descoberta do mundo).A fonte guarda as águas que por ela fluem, que por ela fogem, que a ela afetam. Ela guarda doando,e por isso é fonte, uma vez que guarda as águas que recebeu e recebe do fluxo infinito.A fonte é a indistinção entre o receber e o ofertar.












(Van Gogh, O semeador)

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