sexta-feira, 29 de julho de 2016

artigo: as origens do museu



(trecho do artigo)

Quem se aproxima da origem se renova.
Manoel de Barros

          Há um poema de Manoel de Barros no qual ele diz ter visto, quando criança, dois homens "escovando osso" ( o nome do poema é exatamente "Escova" [1]). Isso o afetou singularmente. Tempos depois, ele soube o nome do que aqueles homens estavam fazendo: eles faziam "arqueologia", eles eram "arqueólogos".Desse aprendizado ele inventou outro, pois o poeta diz que aprendeu a fazer algo semelhante , só que com as palavras. Ele aprendeu a "escovar" as palavras.
          Os arqueólogos escovam o osso , algo aparentemente inerte e morto, para nele fazer viver a "arqué". "Arque-ologia" procede de "arqué". "Arquivo" também procede. "Arqué" tem por sentido "princípio", "causa" ,"fonte", "origem" ou "começo".Só arquivamos( em armários, gavetas , museus ou em nossa própria memória) aquilo que julgamos ter alguma relação com nossa existência, seja como causa , fonte ou origem.Em nossa memória não está apenas o passado, está também o que dá sentido ao presente.Em A Arqueologia do Saber, Foucault mostra que o saber é prática de construção de "arquivos" que co-existem sem se sucederem em progressão.No exemplo de Manoel de Barros, os arqueólogos descobriam que havia, naquele osso, algo arquivado: arquivado não como um papel em uma gaveta, já que , nesse caso, o que está arquivado é o próprio osso como arquivo, como signo, como sentido. O tempo estava arquivado nele, e ele, o osso, estava arquivado no tempo. E este tempo não é o passado no qual aquele osso foi esqueleto, já que se trata também do tempo no qual ele é descoberto como arquivo.Um osso não é apenas um osso, quando nele descobrimos um arquivo.Outrora ele fazia parte de um esqueleto escondido sob pele e músculo.Hoje, como arquivo, percebe-se que ele faz parte do universo inteiro, e sobre este ensina.O osso vira um documento: docere, aquilo que ensina.

          O poeta escova a palavra, e a faz nos ensinar coisas que a mera informação utilitária não ensina. O poeta escova a palavra para nela fazer nascer sua alma: o sentido. 









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