domingo, 29 de novembro de 2015

o primeiro homem


                                                             
Eu sou mestiço, amigo.
Não sou preto e nem branco.
O amor mistura tudo.
E esse é seu extremismo:
casar extremos.   
            

Há mais semelhanças entre mim e meu irmão do que entre mim  e meu primo próximo.E há mais semelhanças entre mim e meu primo próximo do que entre mim e meu primo distante.Sou mais parecido com meu irmão do que com meu primo porque eu e meu irmão possuímos um mesmo progenitor. Para saber o que tenho de comum com meu primo próximo, é meu avô comum que revela, pois nosso avô é o mesmo pai de nossos pais diferentes.Quanto ao primo distante, é meu bisavô que nos torna comum, enquanto único pai de nossos avôs diferentes. E a um primo mais distante ainda, é nosso trisavô o ponto comum, é ele o elo comum que nos une, a despeito da separação identificada a nossos bisavôs, avôs e pais diferentes. Enquanto indivíduo que viveu em um passado distante, meu trisavô não existe mais. Porém, na medida em que ele é o  elo ou elemento comum entre mim e meu primo muito distante, meu trisavô existe ainda: ele existe em nós, ele é o não individual de nossas individualidades. A causa nunca deixa de existir  no produto que ela gerou.
Imagino agora o parente mais distante possível que possuo, um primo ultra distante: enquanto indivíduo, o nosso elo comum  vivera em um passado muito remoto, mas esse comum ainda vive  em nós, próximo, muito mais próximo do que meu pai como causa próxima. Meu tatatatatatatatataravô está em mim como aquilo que me torna próximo ao primeiro homem, ou seja, ele me torna irmão da humanidade inteira, e primo de tudo o que é vivo.
A diferença entre irmão e primo se define pela proximidade ou não da causa próxima que nos gerou: meu irmão o é pelo pai em comum que temos; meu primo próximo o é pelo avô em comum que temos; meu primo distante o é pelo bisavô comum que temos....E o que me torna irmão próximo ao outro homem distante  não é o seu pai ou o meu, o seu avô ou o meu, o seu bisavô ou o meu, o seu trisavô ou o meu... mas sim a causa comum que nos torna homens. Essa causa nos torna uma irmandade para além dos limites daqueles que chamamos irmãos de família. Somos todos irmãos, desde que experimentemos essa causa como próxima. Assim, seremos irmãos, mas não como foram Caim e Abel.
Entre o negro africano e o asiático há um elo comum que ainda vive em ambos. O ódio do nazista ao judeu é, na verdade, um ódio ao que ambos têm em comum, pois é isto que todo nazista odeia: o comum. O comum nunca é a “pureza”, no sentido de algo sem mestiçagem. Um filho é sempre mestiço: nele está misturado o pai. Na perspectiva da causa, nunca um efeito é o primeiro, pois primeiro apenas a causa pode ser.Do ponto de vista da causa próxima, é um mesmo pai que torna dois seres irmãos, e em torno dessa filiação se traçará a identidade fechada de uma família. O avô, o bisavô, o trisavô , etc., são causas cada vez mais distantes quando comparadas à causa próxima, mas são causas cada vez mais íntimas quando as compreendemos à luz do todo da humanidade.
Em um certo sentido, o primogênito está mais próximo da causa próxima que o gerou do que o segundo filho, mas isto em razão do tempo, não sob o ponto de vista da eternidade. A eternidade não escolhe um filho em detrimento do outro. A eternidade não se mede pelo tempo.Em um certo sentido ,o raio de sol não é o sol, mesmo estando ele mais próximo do sol em seu momento de partida do que quando chega aqui e aquece meu rosto.Mas, em outro sentido, o raio de sol é o sol, e disso sabe toda flor e semente.
Se sou primogênito, não posso julgar que sou mais perfeito do que meu primo distante, em razão de ele não ter o mesmo pai que eu, pois isto seria negar a perfeição do nosso bisavô comum, que inclusive gerou o avô que gerou meu pai. Quando me imagino mais perfeito do que outro em razão de uma causa próxima, faço desta última algo que existiria sem ter sido causada por nada: transformo fantasiosamente algo finito em infinito, pois só o infinito é pura causa ( se o infinito fosse efeito de alguma outra coisa, seria essa outra coisa o infinito...). Espinosa diz que o infinito não é causa próxima, que age de fora, mas causa íntima. Imaginemos uma onda que foi gerada por outra, e que a onda gerada imaginasse que a onda que a gerou seria o próprio oceano...Se a onda gerada assim imaginasse, o faria na pretensão de evocar para si privilégios em relação às outras ondas que vieram depois...Ela poderia dizer: “Eu sou a onda eleita pelo oceano!...”E a onda que assim diz, quer não apenas dizer, mas receber reconhecimento para efeito de poder e heranças presumidas...Mas como poderia um único finito ser o herdeiro do infinito? Como uma única cor  poderia ser a verdade do arco-íris?
Voltando à questão geopolítica ( da qual, aliás, nunca saímos...). Como sustenta a ciência, o homem nasceu na África. O negro foi o primogênito desse primeiro homem. O negro somente é o primogênito porque , ao longo do tempo, nasceram outros homens não negros. Foi a causa comum entre o negro e amarelo que fez do negro o primogênito. Mas ser um primogênito é ser ainda um efeito, posteriormente causa próxima, porém nunca a causa íntima infinita. Assim como o filho se assemelha com o pai, mas não é o pai , em razão de uma diferença que constitui o filho, o primeiro homem, se assim se pode dizer, não foi negro, pois se o primeiro homem tivesse sido negro, isso seria dizer que o pai foi o filho, dogma apenas aceitável e compreensível nos mistérios da teologia, mas não na questão geopolítica acerca das nossas identidades e diferenças. Ou seja, mesmo tendo sido o negro o primogênito, não reside mais nele do que no amarelo a mesma causa comum, que não é negra ou amarela, tampouco branca.
Os maiores absurdos nascem quando o efeito se toma como causa, e disso a história do nazismo e de outros monstros teológicos-políticos mais recentes não nos deixam esquecer.
Esse primeiro homem, essa causa primeira e íntima, está escondida sob a pele.E mesmo ele ainda é efeito, cuja causa é  a Vida.








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