domingo, 8 de março de 2015

devir-mulher

Adão, o primeiro homem, conhecia apenas o dormir: o entrar dentro do sono e nada mais ver ou sentir. O sono era, dentro de Adão, a expressão da escuridão que existia antes de a Luz realizar sua obra. Na mitologia grega, Hipnos, o Deus do Sono , é irmão gêmeo de Thânatos, o Deus da Morte. Quem entra no sono , assim nos parece, morre de alguma maneira.
Porém, dentro de Adão aconteceu , certa vez, algo misterioso. E isso aconteceu enquanto ele dormia. No meio do sono, uma Luz se acendeu. No meio da morte que o sono era, Adão renasceu: a referida Luz atingiu seus olhos, mas não os da carne, e os invisíveis olhos se abriram pela primeira vez. Como uma aurora anunciando um novo dia , despontou ,na noite do sono, as cores do primeiro sonho. Algo em Adão se fez dia, paisagem, vida - embora ele dormisse ainda. Sonhando, pela primeira vez Adão via. E ele viu mais claro do que sob a luz do dia que Deus fez. E o que ele viu? Adão viu, pela primeira vez, Eva. Nunca antes ele a vira, pois Eva não fora feita pela Luz que fizera os dias. E estes, outrora perfeitos, incompletos agora se revelavam, pois nestes Eva não vivia . Mas ali estava ela agora, luz nascida do desejo e do sonho de Adão. Não houve antes o sonho e depois Eva, pois Eva era o sonho que nascia de dentro do sono, apagando-o por completo , dando ao sono um sentido. Eva era a luz que iluminava, por completo, a face interna de Adão.
Então, Deus viu Eva, a viu através dos olhos fechados de Adão, que estavam como nunca abertos. De olhos fechados, Adão sorriu pela primeira vez; e falava com as palavras que Deus lhe ensinara , e só agora elas pareciam realmente terem completo sentido, vez que eram ditas para Eva. Assim nasceu o poema, como palavra que se diz para o ser que nasce no sonho, e neste vive.
Enquanto Adão sonhava, Deus retirou-lhe uma costela, uma porção de sua matéria, e ali esculpiu o que Ele, através de Adão, via. E assim nasceu Eva, não como simples fruto da costela, como erradamente se interpreta, mas como fruto que nasceu do desejo de Adão. E neste desejo não havia, como não há, pecado. Nas asas desse desejo Adão, como um anjo, voou. E este Adão que assim voou, o Adão-Poeta, nunca o alcançará o Adão que nunca sonha, e que do voo só conhece a queda.













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