Ele era um homem comum:
nem melhor , nem pior do que os outros.Perto de sua casa passava um rio.Ele via
o rio todos os dias. Ora nele se banhava, ora pescava, ora se divertia.Do rio
ele extraía o útil e o lúdico. Ele pensava que conhecia bem o rio, o rio que
por sua casa passava.
Mas houve um dia que lhe
nasceu uma questão: onde nasce esse rio? Onde fica sua fonte, sua nascente? Ele desejou então buscar a nascente, subindo pela margem, próximo à corrente.
Não demorou muito para ele
ver que o rio conhecia paisagens diferentes daquelas que cercavam sua conhecida
casa. O homem atravessou lugares que nunca antes viu. Faltava-lhe agora mapa,
bula, opinião. Doravante,apenas o rio era o fio ao qual ele se agarrava, para assim
vencer labirintos. Ele pensou em desistir , pensou voltar. Teve medo, teve
horror, teve desesperança. Podia ele confiar naquele rio?
Contra si mesmo, ele
continuou. As águas foram ficando cada vez mais translúcidas, e melodias
inauditas ele ouvia vir da multicolorida mata.As borboletas perderam medo dele:elas
pousavam em seus ombros. Em tudo havia música. Já não havia dúvidas: a fonte não estava mais longe.Ele veria onde o fluxo
nasce.
De repente, ele viu.Ele
viu o que nunca antes nenhum homem pôde olhar.Ele viu a banhar-se na fonte a
deusa Atena, a deusa da Sabedoria.E a Sabedoria estava nua.A Sabedoria não
vestia nenhuma teoria, nenhuma fórmula, nenhum número, nenhuma verdade, nenhum
dogma. Ela estava completamente nua, inocente.E o homem então viu que quando a
sabedoria se despe das vestes acadêmicas, é como poesia que ela se mostra.
Atena virou-se para ele e
viu amor nos olhos daquele homem.E quem vê nascer em si um amor assim nunca mais será o mesmo.Quem vê
a sabedoria nua vê tudo o que se pode saber. Nada mais precisa ver.É nas fontes
que a sabedoria está. Quem a vê nunca mais a esquece, nunca mais a deixa de
ver.
E foi assim que esse
homem se tornou um sábio, através dessa metamorfose nascida de uma visão
poética, onde tudo o que se precisava saber
ele viu, para nunca mais esquecer.
No mito grego esse homem
se chamava Tirésias.Para protegê-lo da cegueira dos homens, a deusa o cegou
para aquilo que os homens chamam de realidade. Mas os olhos do seu espírito
estariam sempre a vê-la, e Tirésias compreendeu que nada mais ele precisaria
ver, a não ser ela, a Sabedoria.E que não se pode olhar para a Sabedoria sem os olhos do amor.
Inexplicavelmente lindo! Extraordinariamente profundo! "E o homem então viu que quando a sabedoria se despe das vestes acadêmicas, é como poesia que ela se mostra". Minha alma só consegue sorrir diante de palavras como essas... Obrigada pela oportunidade de lê-las. Que doce homenagem ao querido Manoel! Abraços, professor!
ResponderExcluirOlá, Flávia!
ResponderExcluirGrande e simples Manoel, o sábio-poeta.
Obrigado pela visita!
Um grande abraço,