sexta-feira, 3 de junho de 2011

espinosa4

No "Tratado sobre a Reforma do Entendimento", vê-se Espinosa às voltas com uma questão existencial. Percebe-se, logo nas primeiras páginas, toda a gravidade de sua busca. Ele parece buscar um remédio. Além de buscar um remédio, ele mesmo precisa se transformar no seu próprio médico. Não que ele vivesse mal ou estivesse doente. Na verdade, ele buscava um remédio que lhe permitisse sobreviver a um mundo, este sim, doente.Seu remédio era, por isso, a manutenção de sua saúde.Porém, encontrar esse remédio não é tarefa fácil. E o remédio nada pode se , antes, não adotarmos certa conduta condizente com alguém que quer mudar de vida.Por isso, Espinosa nos diz que é preciso a prática de certos exercícios.Embora a compreensão do que é Deus seja algo acessível a poucos, o exercício de que ele fala é acessível a todos, e nos prepara para aquele conhecimento. Mas todo exercício é uma prática, e não uma teoria. E aqui está a sua beleza e , ao mesmo tempo, a sua imensa dificuldade. Um homem que é um especialista teórico em caminhadas, que sabe tudo sobre caminhadas, mas que ele próprio nada caminha, um homem assim nada sabe diante de um outro homem que nada sabe teoricamente sobre caminhada , mas que, no entanto, caminha.Aquele que caminha adquire um saber que não é teórico sobre a caminhada, um saber que é, ao mesmo tempo, uma prática. O exercício em questão, que não deixa de ser uma caminhada da alma, está apoiado em três pontos: a generosidade , a firmeza e a modéstia. Antes de tudo, tais virtudes são exercícios que a alma deve querer praticar sobre ela própria em contato consigo e com os outros. A generosidade é o exercício do desapego em relação a tudo aquilo que temos mais do que suficiente, e que outros têm pouco ou nada tem. A firmeza é o exercício que consiste em afastar de si toda volubilidade e inconstância. Por exemplo, se alguém precisa se apoiar em sua mão para fazer uma travessia, mantenha sua mão o mais firme que você puder. Se alguém precisa do seu ombro para não cair, ofereça-o ( com generosidade) com firmeza, antes que o outro lhe peça. E enquanto o outro se apoiar em você , seja firme, o mais que você puder, ao servir de apoio. Sobretudo, seja firme o máximo que você puder quando você mesmo precisar se apoiar em você ( quando todos pensam diferente de você, por exemplo).Seja firme também quando uma ideia ou valor precisar se apoiar em sua mente. Por exemplo, ser justo é apoiar a ideia de justiça em nosso ser. Para ser justo é preciso, antes, ser firme.Ser firme não significa ser rígido ou autoritário. Só nos tornamos autoritários quando confundimos o apoio com aquilo que se apoia, e acreditamos ser o beneficiado exclusivo daquilo que se apoia em nós. A modéstia, por sua vez, não deve ser confundida com a humildade. A modéstia é uma espécie de amor, ao passo que a humildade é uma espécie de ódio. O humilde é aquele que sente ódio por si, que apenas vê seus defeitos e fraquezas, e nada mais.O humilde é o vencido antes mesmo da luta.A modéstia diz , por sua vez, que a vitória do outro não é uma derrota nossa; sua alegria não é nossa tristeza; sua felicidade não é nossa infelicidade. O modesto é aquele que sente alegria com a alegria do outro; fica feliz com sua felicidade; sente-se livre quanto mais livre o outro é. Ele não se diminui com a grandeza do outro, tampouco se sente grande quando o outro é, sob algum aspecto, pequeno. A modéstia é a virtude característica daqueles que são mais sinceramente aptos à amizade.A modéstia, por isso, é a virtude mais social que há.Mas de todas as virtudes implicadas nesses exercícios sobre si, a mais necessária talvez seja a firmeza; pois, sem ela, seria mais difícil o esforço para nos tornarmos generosos e modestos.Ser firme é, no sentido o mais elevado da palavra,Crer.

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