sábado, 21 de maio de 2011

espinosa 2


É interessante a imagem que Platão e Espinosa fazem do amor. Tão interessante quanto diferem radicalmente entre si. A imagem de Platão é mais conhecida, embora muitos conheçam a história sem reportá-la ao seu verdadeiro autor.
Platão acreditava que o amor é desejo. Desejo daquilo que falta. O desejo seria a marca de uma incompletude radical. Só desejamos porque nos falta aquilo que nos faria voltar à unidade originária, no tempo perdida. Obtida a outra metade que nos falta, restituída assim a unidade perdida, finda o desejo , como se extingue o fogo quando não há mais madeira para queimar. O objetivo do desejo é encontrar aquilo que ele deseja :uma outra metade também perdida, para assim findarem ambos em uma unidade que apaga a diferença de cada um dos desejos em suas diferenças. O destino do desejo é ser apagado, morto. Tornar-se completo, segundo Platão, seria fundir-se em uma unidade que revelaria que a diferença é ilusão.
Espinosa pensa de outro modo. Para ele,  desejar é buscar um outro desejo que se componha com o nosso. Desejar é , junto com outro desejo do nosso diferente, criar um terceiro indivíduo, do qual meu desejo e o outro desejo sejam partes vivas.
Enquanto em Platão a unidade originária pré-existe ao desejo que a busca, em Espinosa a unidade não pré-existe aos dois desejos que a inventam, ao se conjugarem. Mediante o terceiro indivíduo que nasce dos dois desejos conjugados, cada desejo não é negado ou suprimido, mas potencializado : um vive no outro por meio da Vida que ambos inventaram em comum.Vida que se alimenta das diferenças que se auto-enriquecem, que se auto-inventam. Quando dois desejos se unem e criam um terceiro indivíduo superior, nasce desse terceiro indivíduo um desejo também superior, concernente à alma e também ao corpo, desejo que não é mais de um ou do outro, porém  dos dois desejos transformados e potencializados em um único desejo que se quer a si mesmo. O desejo não se torna mais falta do que se deseja, pois ele se possui a si mesmo ao se dar para o outro. Assim conjugados, ambos desejam a mesma coisa: manter vivo o terceiro indivíduo que só existe mediante eles. Por intermédio  dele, ambos podem cada vez mais desejar não o que falta, mas o que potencializa o que já se é, singularmente.

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