domingo, 11 de fevereiro de 2018

platão , espinosa e o amor

Tanto o sábio quanto o homem vulgar possuem em suas almas partes boas e más.  
O que os distingue é que o sábio sempre se esforça para agir com sua parte boa.
Plotino 

É interessante a imagem que Platão e Espinosa fazem do amor. Tão interessante quanto diferem radicalmente entre si. A imagem de Platão é mais conhecida, embora muitos conheçam a história sem reportá-la ao seu verdadeiro autor.
Platão acreditava que o amor é desejo. Desejo daquilo que falta. O desejo seria a marca de uma incompletude radical. Só desejamos porque nos falta aquilo que nos faria voltar à unidade originária, no tempo perdida. Obtida a outra metade que nos falta, restituída assim a unidade perdida, finda o desejo , como se extingue o fogo quando não há mais madeira para queimar. O objetivo do desejo é encontrar aquilo que ele deseja :uma outra metade também perdida, para assim findarem ambos em uma unidade que apaga a diferença de cada um dos desejos em suas diferenças. O destino do desejo é ser apagado, morto. Tornar-se completo, segundo Platão, seria fundir-se em uma unidade que revelaria que a diferença é ilusão.
Espinosa pensa de outro modo. Para ele,  desejar é buscar um outro desejo que se componha com o nosso. Desejar é , junto com outro desejo do nosso diferente, criar um terceiro indivíduo, do qual meu desejo e o outro desejo sejam partes vivas. A amizade, por exemplo, é um terceiro indivíduo nascido de Pedro e Paulo enquanto amigos. Pedro e Paulo são partes da amizade que os une, a amizade está tanto no todo quanto está nas partes. Mas a amizade não é um conjunto, uma vez que podem existir conjuntos vazios, porém não pode existir amizade sem amigos. A amizade é uma relação que acrescenta às partes que se relacionam um novo sentido. A amizade não está somente na relação, tampouco apenas nos amigos. Ela está tanto na relação quanto nos amigos, embora não esteja do mesmo modo nas partes e na relação-todo: nos amigos ela está como afeto, na relação-todo ela é ideia. 
Enquanto em Platão a unidade originária pré-existe ao desejo que a busca, em Espinosa a unidade não pré-existe aos dois desejos que a inventam, ao se conjugarem. Mediante o terceiro indivíduo que nasce dos dois desejos conjugados, cada desejo não é negado ou suprimido, mas potencializado : um vive no outro por meio da Vida que ambos inventaram em comum.Vida que se alimenta das diferenças que se auto-enriquecem, que se auto-inventam. Quando dois desejos se unem e criam um terceiro indivíduo superior, nasce desse terceiro indivíduo um desejo também superior, concernente à alma e também ao corpo, desejo que não é mais de um ou do outro, porém  dos dois desejos transformados e potencializados em um único desejo que se quer a si mesmo. Assim compreendido, o desejo não é falta, dado que ele se possui a si mesmo ao se dar para o outro, que também o oferta. Pois é isto o amor: oferta de amor, e não cobrança. 
Assim conjugados, ambos desejam a mesma coisa: manter vivo o terceiro indivíduo que só existe por ação deles . Por meio do terceiro indivíduo  , ambos podem cada vez mais desejar não o que falta, mas o que potencializa o que já se é, singularmente.








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