terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

o mito, o conceito, o número e o poema


Poesia não é apenas versificação,

ela também é fabulação*, narração de mundos.
                                                                                                                                                   Paulo Leminski



Segundo o poeta Leminski, três são as produções mais originais da mente: o Mito, o Conceito e o Número. A arte tende ao Mito, a filosofia se apoia no Conceito, a ciência só confia nos Números. O Mito é fabulação, o Conceito é conhecimento, o Número é descrição. Durante muito tempo, havia apenas o Mito. Depois, o Conceito veio tomar-lhe o posto . Hoje, o Número pretende dar conta de tudo.
Em sua origem, o Mito não era arte, pois a arte somente existe enquanto se refere a outra coisa diferente dela. A arte nasceu quando o homem tomou consciência da distinção entre algo que é real , “em si” (não sendo, por isso mesmo,  inventado), e sua imagem produzida , enquanto realidade segunda, sensível. Para a arte, a realidade  pode ser coisa ou afeto. A pintura, por exemplo, imita a coisa, ao passo que a música imita o afeto . A poesia reúne pintura e música, por isso imita coisa e afeto, fazendo do afeto uma coisa real.  
Quando predominava o Mito não havia, portanto, distinção entre realidade e invenção. E talvez seja este o caráter imorredouro do Mito: a percepção de que toda realidade é invenção, mesmo a realidade que os Números pensam descrever “neutra e objetivamente”.
Somente quando surge o Conceito filosófico é que se teve, ou se inventou, a consciência da distinção entre realidade e invenção. Por isso, o Conceito inventou a si mesmo ao mesmo tempo em que inventou a arte. Esta nasce quando o Mito perde sua força geradora de mundos. O Conceito emerge desqualificando o Mito :este apenas balbuciaria a realidade sobre a qual o Conceito, e somente ele, sabe dissertar  com raciocínios  lógicos.  O Conceito substitui, ou crê substituir, o Mito como autoridade única para oferecer resposta à indagação fundamental: para quê e por que existimos? O Conceito pretende explicar a Origem e o Fim de toda existência, e não apenas da existência humana. O Conceito assim procede quando faz Racional Metafísica.  Porém, embora refute o Mito, o Conceito o absorve para fins pedagógicos: o mito se  torna a parte retórica e alegórica da filosofia. Por outro lado, o que era apenas um método ou andaime para o Conceito subir, o Número,  torna-se , com o tempo, o único critério objetivo para a mente se libertar da imaginação Mitológica e do pensamento metafísico, pois ambos impediriam a mente de conhecer cientificamente, "clara e distintamente", a realidade. Com o triunfo da ciência, reina o Número.
Contudo, o infinitamente pequeno e o infinitamente grande parecem resistir a tal quantitativismo descricionista, de tal modo que a cosmologia e a microfísica contemporâneas parecem retornar ao Mito, ao mesmo tempo que reatam amizade com a metafísica.
Queremos introduzir um quarto elemento nessa trindade Mito-Conceito-Número. Talvez esse quarto elemento seja um todo do qual cada um dos três seja um diferencial. Esse quarto elemento é o Poema. O poema é invenção de mundos, instauração de “por quês?” e “porquês”, sendo também uma forma de conhecimento não instrumental do mundo. O Poema pode auxiliar a mente a parar de brigar com a mente, quando se divide em impérios estanques litigantes; pois a mente é apenas uma, conquanto se expresse vária. 
Não seria isto, talvez, o que Espinosa nomeia “Ciência Intuitiva”?



___

* o poeta que é apenas versificador se preocupa mais com o aspecto formal do poema, ao passo que o poeta-fabulador narra mundos, constrói perceptos, instaura sentidos. O poeta versificador é poeta, sem dúvida.Porém, o poeta-fabulador por vezes parece mais do que poeta, assemelhando-se a um filósofo, ou melhor, a um pensador. É no poeta-fabulador que está o Poema , que é mais do que rima e versos.  

Nenhum comentário: