quinta-feira, 12 de outubro de 2017

o labirinto

Não haverá nunca uma porta. Estás dentro
E o alcácer abarca o universo        
E não tem nem anverso nem reverso
Nem externo muro nem secreto centro.

BorgesO labirinto


Muitos comparam a vida a um labirinto.Os caminhos dos labirintos são mais misteriosos do que aqueles desenhados pelas linhas da palma da mão.O mais famoso labirinto tinha em seu centro um monstro. Teseu, o protegido de  Apolo, queria matar esse monstro, o Minotauro.
Teseu não é apenas um nome: ele é um símbolo, ele representa a racionalidade simbolizada pelo homem como padrão. Teseu anda sempre retilineamente, não dá um passo sem planejar antes onde pisa e como pisará. Teseu teme o imprevisto, e evita tudo o que não cabe em uma forma. Teseu quer a tudo dominar com régua e compasso. Seu caminho é feito de estradas retas , às vezes curvas.Mas raramente ele salta ou sai para “andar atoamente”, como diria Manoel de Barros.
Um dia, uma vontade nasceu em Teseu: matar o Minotauro. Este era um ser híbrido: nem homem , nem touro, mas a soma dos dois, cujo todo fazia nascer um ser diferente do que a mera soma das partes.E era isto que o fazia um monstro: ele não era uma coisa ou outra, porém as duas ao mesmo tempo, e esta coisa que ele era não se podia classificar segundo um conceito lógico.Um ser desse somente podia morar em um labirinto. Onde todos se perdem: era aí que o Minotauro se sentia em casa...
O labirinto é um lugar em que se entra, mas do qual não se sai, embora ele não seja infinito. No labirinto vira-se à esquerda ou à direita indistintamente, o que fere a lógica da direção: dentro do labirinto as bússolas enlouquecem, e não apenas elas...


                                                             ( filme: O iluminado)


 O labirinto é o fragmentar de uma reta: isso choca o que em nós cultiva a retidão. Ele é o fragmentar infinito de uma mesma reta que não leva mais a nenhum lugar. Isso faz nascer um estranho fato: o centro do labirinto não é como o centro de um círculo ou como o centro de uma caverna, uma vez que ele não é um centro que abriga ou protege. Ao contrário, nunca se sabe quando se chega ao centro de um labirinto, pois isso equivaleria a conhecer a própria ignorância. Contudo, conhecer a própria ignorância já é vencê-la.E ninguém pode conhecer o labirinto. O labirinto não nos permite conhecer para aonde se vai ou de onde se veio. Há apenas o desejo de se sair dele, sem se saber os meios. Pois o que poderia ser um meio para dele se sair, pode ser um meio para nele se entrar ainda mais e se perder, ignorando onde  está seu meio ou onde se encontra, ao contrário, sua saída.
O Minotauro mora no centro do labirinto.Quem descobre o centro do labirinto, encontra o Minotauro, e deste encontro não há sobrevida: é a loucura, o absurdo da vida.Ligados umbilicalmente, um homem e uma besta, um homem e uma fera. E os dois formam um só. Isto devora e nos devora: devora o que em nós é homem, desafia o que em nós é razão e lógica. O que faz do Minotauro um monstro, um devorador , não é a parte taurina, vegetariana que é; a sede de carne e sangue vem da metade homem, que emprega a força do touro para lograr sua insanidade.  
Teseu não tolera esse um feito de contrários, dado que  isso impediria, segundo ele, a distinção do Bem e do Mal, do Racional e do Animal, enfim, da Lei e da Força.Mas o que Teseu desconhece é que tanto ele quanto o Minotauro são um aspecto da vida: o animal fundido com o homem, com o predomínio daquele; o racional junto ao animal, com aquele reprimindo este. Teseu pensa que pode vencer o Minotauro, e de fato o poderia se o encontrasse em céu aberto, sob a luz do sol da Razão. Todavia, Teseu ignora que não pode vencer o labirinto.O impede de vencer o labirinto exatamente a arma da qual Teseu  extrai seu poder: o conhecimento retilíneo, racional.Para entrar no labirinto , Teseu teria que se despir de sua lógica. Entretanto, se isto ele fizesse, ficaria Teseu sem seu escudo e sem sua arma.


                                                         ( Escher, Labirinto)

Então, o salva um terceiro aspecto da vida: Ariadne. Em grego, Ariadne provém de um termo que significa “aranha”. Alguns realçam , com ironia, o longo tempo que Espinosa consumia  observando a aranha à espera de sua presa . Porém , o fundamental é o processo que vem antes, que exige mais do que tempo, exige invenção. Era esse acontecimento produtivo o que realmente fazia pensar Espinosa, ao ver a aranha-ariadne extrair  da imanência do seu corpo a sua teia-rizoma . A autêntica ideia não é cerzida para capturar cardumes, quantidades; ela é produzida no desejo de apreender uma existência singular - que,  mesmo alada, nela vem pousar, capturada.
 A teia da aranha é uma espécie de labirinto onde a aranha aprisiona suas presas. Assim, Ariadne é uma produtora de labirintos, e é por isso que ela o conhece bem, pois conhecer uma coisa é ser capaz de produzir a ideia que nos permite conhecê-la. Ariadne não está presa dentro de um labirinto, tal como o está um prisioneiro dentro de uma cela, sobretudo se este prisioneiro ignora a prisão e imagina que a cela o torna forte pelo fato de ninguém conseguir sair dela, tal como acontece com o poder do Minotauro, mero poder da destruição; tampouco Ariadne vive o labirinto como se fosse um meio externo que a limitasse . Artista, ela conhece como se produz um labirinto, e sabe que para vencer um labirinto é preciso um fio, uma linha. Não uma linha que se traça com esquadro ou régua, e que vive presa entre dois pontos, o começo e o fim. Diferentemente, a  linha que pode vencer o labirinto  se desprende de um novelo, e deve permanecer ligada a este, tal como permanece ligado o produto ao seu produtor, o raio à fonte de luz, os atos ao seu autor, o rio à sua nascente. O novelo é uma virtualidade da qual a linha nunca se separa, o que faz dela uma linha de fuga, como diriam Deleuze e Guattari.O fio nasce do novelo, e este nunca tem fim.O novelo expressa outro aspecto da vida: fonte de caminhos que se inventam, como minadouros de elos que nos fazem não estarmos perdidos.Fio da memória, fio do desejo, fio da narrativa na qual se traça um sentido.Novelo significa: "novo elo". Um novelo é feito de elos, virtuais agenciamentos, e não de linhas retas que começam e terminam em pontos, em egos
 Entre o racional de Teseu e o irracional do Minotauro está Ariadne como expressão da Arte. É com o fio de Ariadne que Teseu, desperto, entra no labirinto e mata o irracional enquanto este dorme. O fio de Ariadne, fio do Amor, permite a Teseu entrar e sair do labirinto, sem morrer ou enlouquecer. Porém, Teseu apenas seduzira Ariadne, pois calculadamente a abandona quando consegue lograr seus intentos neuróticos. Todavia, por muito tempo não chorou Ariadne , logo a desposa Dioniso, o deus cujo nome seu poder revela: Di-oniso, “aquele que nasceu duas vezes”,onde o segundo nascimento, que é em verdade um renascimento, uma regeneratio ao modo de Espinosa, explica e dá sentido ao primeiro nascimento.Dioniso é a  Vida que nasce, renovada, de si mesma.







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