quinta-feira, 10 de agosto de 2017

cronos e kairós

Segundo o mito, no início havia Gaia, a Terra, e Uranos, o Céu ( ou Eternidade). O Céu nasceu da Terra, de seu ventre. O ventre de Gaia era a parte dela mais próxima do Caos, do qual  ela mesma  se originou. Todo ventre está perto dessa Imanência. Nascer é distinguir-se do Caos-Imanência, mas sem negá-lo, sem demonizá-lo. E tudo o que é verdadeiramente vivo mantém canais que desembocam lá, nesse Ventre dos ventres, nessa Geração que gerou tudo o que pode gerar.
Cronos, o Tempo,  foi a primeira divindade que  quis afirmar-se, matando. Porém, como as divindades não morrem, o Tempo  destronou a Eternidade, pondo o Céu-Eternidade para longe, para muito longe. Tão longe ficou o Céu , que se esqueceram dele. 
Mas Cronos não parou de matar, ele continuou matando, fazendo disso o seu modo de afirmar-se, negando. Ele passa então a devorar cada filho dele que nascia, temendo que fizessem com ele o que ele fizera com a Eternidade.

Cronos devora a todos os seus filhos que nasciam, antes que estes abrissem os olhos. Menos um deles: Zeus. Este o vence da forma como se pode vencer o tempo: criando memória daquilo que não pode ser esquecido. 
Para tal, Zeus criou as Musas , para dessas fazer  nascer poetas. Algo do Céu retorna e revive no canto dos poetas, pois estes têm o dom de “celestar as coisas do chão” (Manoel de Barros). 
O tempo do poeta não é Cronos,  que destrói e mata ; o tempo do poeta é kairós, tempo da ação que inova, criando  sentido para o que nasce. Em latim, “kairós” será traduzido por “oportunus”, de onde nascerá “oportunidade”. “Oportuno” era o nome que recebia o vento que (re)conduzia o navio ao porto. Oportunus era o vento que  reconduzia ao começo, à “origem que renova” (Manoel de Barros).

Goya, Cronos devorando seus filhos - Museu do Prado

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