domingo, 30 de agosto de 2015

a fonte




A palavra abriu o roupão para mim:
ela quer que eu a seja.

Manoel de Barros


O maior adivinho e sábio da Grécia foi Tirésias, o cego.O maior sábio da terra da sabedoria era, no entanto, um cego.  Ele assim ficou por ter visto o que nenhum homem pode ver, a não ser pagando um alto preço.Tirésias  viu Atena nua. Ele viu a deusa despida das vestes e das convenções, ele a viu de corpo nu e inteiro, sem os véus e tecidos que a disfarçam.
 Atena é a deusa da Sabedoria. Tirésias viu a Sabedoria nua, sem disfarces, sem obstáculos, sem  coberturas, sem maquiagens. Ele a viu enquanto ela se banhava em uma fonte que nunca seca, a qual somente acha quem  tem sede não apenas de água. É dessa fonte  que   brota o rio que Heráclito disse que não podemos entrar nele duas vezes, pois quando entramos no rio e depois saímos, ao entrarmos uma segunda vez no rio-tempo ele já não é mais o mesmo, pois esse rio só tem primeira vez. O rio que nunca é o mesmo brota da fonte que nunca deixa que a gente seja o mesmo após vê-la.É nessa fonte que a Sabedoria está,pois mesmo a Sabedoria necessita do fluxo para renovar-se,para limpar-se do que já é antigo e se acumula.Tirésias viu  a Sabedoria diretamente, não por intermédio de livros ou relatos.
Sabe-se que Atena se paramentava toda e se adornava antes de ir à Academia, para ali ser vista  e adorada pelos doutos,que adoravam apenas o brilho e luxo dos panos que a cobriam, e com estes se satisfaziam,vez que ignoravam  que mais riqueza e beleza havia em seu corpo nu. Mas a deusa não se paramentava  por exigência ou gosto dela, mas pelos ritos dos homens acadêmicos.Todavia,  estes nunca a viram como Tirésias a viu: nua, sem fazer poses, sem artifícios.Ele a viu sem ser por intermédio de signos. E nunca a deusa viu tanto amor na fala e discursos dos doutos  quanto viu nos olhos de Tirésias , que a viu nua, sob a “luz natural” do seu corpo .
Então, ela o cegou enquanto ele a via. Não por ódio ou punição, tampouco para manter-se em segredo. Ela o cegou  para protegê-lo.Para protegê-lo de si mesmo e dos homens,incluindo os doutos.  Na verdade, ela lhe cegou os olhos do corpo para que sempre a visse os olhos do espírito, pois apenas para estes ela se permite aparecer nua, desde que neles também viva a paixão e o desejo .
Ele a viu a se banhar em uma fonte, em uma nascente. E esta foi a sabedoria que a deusa lhe concedeu: a de ver sempre nascer e renascer em si uma “visão  fontana”, uma visão que é fonte do que vê.Assim ele percebeu que quando a sabedoria se despe das teorias, é como poesia que ela se mostra, é na poesia que a gente a vê.







quinta-feira, 27 de agosto de 2015

gilles & manoel

                                                                        
(trecho do livro)

 a desgrandeza é de Deus.
Manoel de Barros

novelo que a vida enrola,
nos versos eu desembaraço.
Chico Lobo

Encontramos esboçado em Gilles Deleuze  um dos  problemas que  tencionamos desenvolver, pois nos parece que ele toca de perto aquilo que em Manoel de Barros constitui a experiência do deslimite. Afirma  Deleuze que 

“Escrever não é certamente impor uma forma (de expressão) a uma matéria vivida. A literatura está antes do lado do informe ou do inacabamento. (...) Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que extravasa qualquer matéria vivível ou vivida. É um processo, ou seja, uma passagem de Vida que atravessa o vivível e  o vivido.” (Deleuze, Clínica e crítica. São Paulo: Editora 34, 1997, P. 11 )     
                                     
A Vida é renascer constantemente, a todo tempo e instante. Por conseguinte, a Vida é metamorfose, arte. A Vida nunca nasce, quem nasce são os indivíduos. A Vida sempre renasce nos indivíduos que nascem. A Vida, portanto, é puro renascer: por nunca nascer, a Vida também jamais morre (quem morre são os indivíduos). A Vida não é uma, mas muitas: são todas as que tivermos a potência de inventar e criar, conjugando nosso viver com a Vida  que em si mesma é  criação, Arte.
A Vida é um processo que atravessa nosso vivido e rompe os limites utilitários deste; do mesmo modo que o Sentido , quando trabalhado pelo poeta, emerge na linguagem extravasando as significações dominantes que prescrevem à palavra um limite.  O deslimite é o processo que faz do inacabamento o estado sempre renovado que não deixa com que as coisas acabem, sendo então reinventadas pelo processo criativo ―   tanto na poesia como na vida. 
Em uma primeira aproximação, o deslimite pode ser compreendido como um processo ao mesmo tempo estético e existencial,  no qual  vida e poesia se mostram como as duas faces de uma mesma  Vida  a qual não se pode impor uma forma ou limite . Esta Vida  somente se deixa  apreender em uma experiência  de devir.            
 O devir não é uma forma ou algo de determinado, mas um processo no qual os seres  atingem seus deslimites (conforme veremos ao longo do estudo) .  Atingir o deslimite não significa destruir-se ou negar-se. Ao contrário, é o limite que destrói a invenção que se pode e se deseja. O deslimite  , portanto, é uma experiência  com a Vida, e não com a morte ( nos vários sentidos que essa palavra pode ter). 
Embora seja uma experiência eminentemente poética, isso não significa que ela seja suscitada apenas pela leitura de poesia. A essência de tal experiência é exatamente nos ensinar a alargar a compreensão do que seja poesia, como faz Manoel de Barros, para que a vejamos em todas as coisas que, rompendo seus limites, deixam ver a Vida.





sábado, 22 de agosto de 2015

Festival Bom de Ler/Florianópolis

Representações da Academia Brasileira de Contadores de Histórias, no Projeto Bom de Ler - De 25 a 29 de maio/2015, em Florianópolis/SC.

Apresentou os escritores:

- ZUENIR VENTURA;
-  ELTON LUIZ LEITE DE SOUZA; 
- EVANDRO AFFONSO FERREIRA; 
- SELVINO ASSMANN; 
- RODOLFO JOAQUIM DA LUZ; 
- SALOMÃO RIBAS JÚNIOR; 
- JOSÉ MIGUEL WISNIK;
- MANUEL DA COSTA PINTO; 
- JULIANO GARCIA PESSANHA; 
- AFFONSO ROMANO SANT’ANNA; 
- CLAUDIA PELLEGRINI DRUCKER; 
- JOSÉ CASTILHO MARQUES NETO; 
- JUANA NUNES PEREIRA;
- RENNÃ FEDRIGO.
Manoel de Barros (foto), um dos mais aclamados poetas brasileiros da contemporaneidade e vencedor de vários prêmios literários, será tema da Oficina da Leitura promovida no próximo dia 26, das 15h às 18h, no hotel Quinta da Bica d'Água. O evento será conduzido pelo filósofo Elton Luiz Leite de Souza, professor da Unirio - RJ, autor do livro 'Manoel de Barros: a poética do deslimite' e com um extenso trabalho ligado à obra do poeta. 
A oficina fez parte do Festival da Leitura de Florianópolis, de 25 a 28 de maio


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

evento no Ceará





II Colóquio nacional do GT Deleuze Anpof, no Cariri, no Caldas
SEGUNDA, 7 DE SETEMBRO
Abertura do Colóquio
14h30
Mesa Temática de Abertura: Geofilosofias: terra/território e devires-minoritários
15h-17h00
Pensando a região do Cariri cearense através da Geofilosofia de Deleuze e Guattari
Luiz Manoel Lopes (UFCA)
Geofilosofia e Não-Filosofia
Cleber Daniel Lambert da Silva (UNILAB)
Os dois polos do delírio como cisão política do socius
Rodrigo Gueron (UERJ)
Mesa Temática 1
18h-20h
CriDançando
Ada Kroef (UFC)
As regras facultativas de William Labov e a ética de Gilles Deleuze
Mariana de Toledo Barbosa (UFRJ)
O traçado de um território pelas redes de cuidado em saúde
Adriana Barin de Azevedo (UNIFESP)

TERÇA, 8 DE SETEMBRO
Eixo temático 1) Deleuze e seus outros: a história da filosofia e a filosofia da diferença
10h-12h30
Flávia Cristina Silveira Lemos (UFPA) - Ontologia histórica do presente em Deleuze e Foucault: a insurreição dos saberes sujeitados e as possibilidades de invenção coletiva
Adriele da Costa Silva (UECE) - O poder de ser afetado em Benedictus de Spinoza e Gilles Deleuze
Carlos Wagner Benevides Gomes (UFC) - Uma leitura deleuziana sobre a ontologia e a Ética de Spinoza
Angelica de Britto Pereira Pizarro (PUC-Rio) – O direito natural e o estado de razão: a constituição de uma teoria da potência em Spinoza segundo Gilles Deleuze
14h30-17h30
Péricles Pereira de Sousa (UNIMONTES) – Questões em torno de Empirismo e Subjetividade e O anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia
Bernardo Tavares dos Santos (UnB) – Empirismo e exterioridade: as fórmulas do “Ensaio sobre a natureza humana segundo Hume” e o gosto filosófico de Deleuze
Rafael Fernandes Barros de Souza (UNICAMP) – Deleuze e a força da filosofia humeana
Patrícia Silveira Penha (UECE) – A abordagem deleuziana sobre as faculdades na filosofia crítica de Kant
Eixo temático 2) Deleuze e as artes
10h-12h30
Christiano Paz Fiúza Lima (FATECI) – O que diz a imagem: Uma leitura filosófica do cinema de Jodorowski
Saulo de Araújo Lemos (UECE/UFC) – Algumas imagens; um cinema no poema
Andre Felix (UFBA) – Das imagens-fato as imagens óticas e sonoras puras: Um estudo comparativo entre o realismo em André Bazin e a passagem da imagem- movimento para a imagem-tempo em Gilles Deleuze
Renata Siramizu Garcia (UNIFESP) – O cinematógrafo e o fora
14h30-17h30
Adriano Henrique de Souza Ferraz (UNIFESP) – Revenir como porvir: atravessamentos de Blanchot, Foucault e Deleuze
Viviana Ribeiro (UFF) – Aspectos políticos da literatura em Gilles Deleuze
Clever Luiz Fernandes (UFMA) – Deleuze: Literatura, vida e saúde
Jefferson Pinheiro Lima (UFC) – O Conceito/Experimento de Corpo Sem Órgãos de Deleuze e Guattari em Conexão com a Escrita/Fluxo de Clarice Lispector
Amanda Fievet Marques (UFF) – A micropolítica molecular da literatura: Deleuze e Beckett
Mesa Temática 2: Deleuze e seus outros: a história da filosofia e a filosofia da diferença
18h30-21h00
Aprender com os filósofos e não-filósofos: existe criação no ensino de filosofia?
Cíntia Vieira da Silva (UFOP)
Um Sócrates de menos: devoração transcriadora da Sagrada Imagem da Filosofia
Ester Maria Dreher Heuser (UNIOESTE – PR)
Deleuze e a História da Filosofia: o acordo discordante como fio de leitura
Alessandro Carvalho Sales (UNIRIO)
Epicurismo e estoicismo na filosofia de Gilles Deleuze
Paulo Domenech Oneto (UFRJ)
QUARTA, 9 DE SETEMBRO
Eixo temático 1) Deleuze e seus outros: a história da filosofia e a filosofia da diferença
10h-12h30
Emanuel Tadeu Borges (UFF) – Deleuze, Artaud e o pensamento: inatismo versus genitalidade
João Rezende (UFF) – Do mundo sem outrem ao universo elementar: no encontro de G. Deleuze com M. Tournier
Victor Silveira do Carmo (UFOP) – Entre o desejo e o simulacro
Adriana Muniz Dias (UNIOESTE – PR) – Deleuze e a Filosofia: filosofar não é ser amigo, é ser amante
14h30-17h30
Guadalupe Macêdo Marques (UECE) – O que pode um corpo? Direito natural e acaso dos encontros em Deleuze e Spinoza
Maria de Mendes Tereza Castro (UECE) – A liberdade como fundamento do pensar na Ética de Spinoza
Samuel Girão Fonteles (UECE) – Da ética imanente à moral transcendente no pensamento de Deleuze e Spinoza
Fernando Monteiro dos Santos (UECE) – Deleuze e o problema da expressão em Spinoza
Jéssica Nunes Chaves (UECE) - Análise do pensamento de Deleuze a partir da imanência de Spinoza
Eixo temático 3) Geofilosofias: terra/território e devires-minoritários
10h-12h30
Evânio Márlon Guerrezi (UNIOESTE) - A distopia de Deleuze e Guattari: uma interpretação latente
Leandro José Carmelini Fafá Borges (UFRJ) - Bicicleta e Cidade: as potências contemporâneas do pedalar urbano
Priscila Tamis (Unesp) - Trajetos na cidade – ocupação e intervenção no transporte como espaço público e de direito
Fabiana Melo Souza (UNIRIO) - Os documentários de favela: o cinema de minorias e a construção de um povo ainda por vir nas Cidades
14h30-17h30
Francisco Victor Macedo Pereira (UNILAB) - Novos Modos de Subjetivação no Mundo Contemporâneo: estratégias de resistência e de (re)criação da existência
Flávio Luiz de Castro Freitas (UFSCar/UFMA) - Notas sobre continuidades e rupturas entre O Anti-Édipo e Kafka: por uma literatura menor
Bruno Cavalcanti (UECE) – Entre gritos e sussurros: a fala engasgada e a voz distorcida do ciborgue
Clezia Lima do Nascimento (UFC) - Modos emergentes de ativismo político na contemporaneidade
Jéssica Cássia Barbosa (UFRN) - Geopolítica das revoluções: políticas do devir segundo Gilles Deleuze
Mesa temática 3: Plano de imanência: Deleuze e o Sertão
18h30-21h00
Metáfora e literalidade em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro
Sandro Kobol Fornazari (UNIFESP)
Imanência e campo de imagens: uma leitura do Grande Sertão-Veredas de Guimarães Rosa a partir de Gilles Deleuze e Henri Bergson
Alex Fabiano Correia Jardim (UNIMONTES)
Campo Geral e Mutum: o sertão como plano de imanência e de composição
Davina Marques (IFSP)
Plano de imanência e empirismo transcendental
Bárbara Lucchesi Ramacciotti (UMC) –
QUINTA, 10 DE SETEMBRO
Eixo temático 1) Deleuze e seus outros: a história da filosofia e a filosofia da diferença
10h-12h30
Kácia Natalia de Barros (UECE) – O que é a filosofia? A filosofia como criação de conceitos
Willame Araújo Oliveira Alencar (UFC) – Queerização dos corpos em Deleuze e Guattari
Larissa Drigo Agostinho (USP) – Deleuze, Guattari e o Brasil: crítica do capitalismo e do Estado
Diogo Gondim Blumer (UNICAMP) – Deleuze e Guattari nas experimentações de Castañeda
Eixo temático 3) Geofilosofias: terra/território e devires-minoritários
14h30-17h30
Alessandra R. Gama (UFSCar) - Cartografando sentidos: devires entre educação, patrimônio e africanidades
Estevão de Figueiredo Ribeiro (UFF) - Movimento dos corpos e movimento das categorias: um olhar Guarani da grande floresta, a cidade
Diego da Silva Tavares (UFF) - Um grito de guerra na Amazônia: a cosmopolítica Munduruku à luz da Geofilosofia de Deleuze
Leandro Nunes (UNIOESTE – PR) - A imanência absoluta e uma ética vitalista: a afirmação da vida “livre de” qualquer transcendência, Deleuze entre Spinoza e Nietzsche
Jean Pierre Gomes Ferreira (UECE) - O pensamento da Terra na Geologia da Moral de Deleuze e Guattari
Eixo temático 2) Deleuze e as artes
10h-12h30
Hércules Soares de Almeida (UFSCar)– Coletivo Cê e o saber da experiência
João Gabriel Mendes da Cunha (UFF) – A Ditadura Militar e o Teatro Afro-brasileiro: a arte como máquina de guerra
Leandro Lelis Matos (UFMG) – Deleuze e crítica da subjetividade na Estética
Márcio Fonseca Benevides (UFC) – O que pode o rock cearense? Por uma máquina de guerra musical
14h30-17h30
Allison Duarte Barbosa (UFC) – A música como imagem do estilo em Bergson e Deleuze
Jan Stephenson Pinheiro Lima (UFC) – Agenciamento Imagético do Desejo no Curta-Metragem Um Cão Andaluz
Isabel Veiga (UFF) – A força do imaginário em Mundo Incrível Remix
Pamela Zacharias Sanches Oda (UNICAMP) – (Des)encontros em um lugar qualquer
Daniel de Souza Lopes (UNIFESP) – Território, desterritorialização e reterritorialização em On the road
Mesa temática 4: Geofilosofias: terra/território e devires-minoritários
18h30-21h00
A noção de território em Deleuze e Guattari
Zamara Araujo (UESB)
Deleuze e o maio de 68: política e acontecimento
Leonardo Maia (UFRJ)
Eliminação, afecto e simpatia: uma dimensão política?
Gisele Gallicchio (UECE)
O agenciamento Deleuze-Cláudio: o gosto filosófico
Elton Luiz Leite de Souza (UNIRIO)
SEXTA, 11 DE SETEMBRO
Eixo temático 1) Deleuze e seus outros: a história da filosofia e a filosofia da diferença
10h-12h30
Arlene Barbosa Felix (UECE) – As afecções da Essência: Infinitas causas e infinitos efeitos. Um entendimento sobre “afetos” em Spinoza, segundo Gilles Deleuze
Brena Kátia Xavier da Silva (UECE) – A construção de Deus como um mau encontro entre os homens
Valterlan Tomaz Correia (UECE) – Uma análise deleuziana acerca da Ética de Spinoza
Evandro Pereira da Silva (UECE) – A dobra como relações diferenciais da percepção: uma abertura infinita do finito em Gilles Deleuze
14h30-17h
Maria Fernanda Novo (UNICAMP) – Do dever-ser ser ao devir: um estudo sobre os modelos do vivo
Ricardo Cezar Cardoso (UERJ) – Sobre a individuação: do biológico ao vital. De Gilbert Simondon a Gilles Deleuze
Jony Kellson de Castro Silva (UECE) – Quando a linguagem dá ordem à vida
Pablo Enrique Abraham Zunino (UFRB)– Intuição, criação e resistência: Bergson e Deleuze Eixo temático 2) Deleuze e as artes
10h-12h30
Fernando Tôrres Pacheco (UFMG) – Figura e fundo: questões entre Merleau-Ponty e Deleuze
Mateus Vinícius Barros Uchôa (UFMG) – Plasticidade do pensamento e acoplamento de singularidades na relação entre Arte e Filosofia em Deleuze
Lucas Castro Murari (UFRJ) – O figural como complexificação da representação artística
Patrícia Bizzoto (UFOP) – Apontamentos para se pensar em uma noção de “dessubjetivação” na filosofia de Gilles Deleuze
14h30-17h
Larissa Farias Rezino (UFOP) – A arte da Literatura em Gilles Deleuze
Pedro Nogueira Farias (UFC) – Devir e literatura em Gilles Deleuze
Laila Rayssa de Oliveira Costa – A céu aberto, o rizoma na literatura
Paulo Germano Barroso de Albuquerque (FA7) – Literatura e política em Gilles Deleuze
Mesa de Encerramento
18h00-20h30
Sobre os personagens conceituais e os personagens estéticos em Deleuze
Verônica Miranda Damasceno (UFRJ/UNICAMP)
Um filho pelas costas
Eladio C. P. Craia (PUCPR)
Deleuze, Spinoza e Blijenbergh: As cartas do mal
Emanuel A. R. Fragoso (UECE)
Deleuze e Wittgenstein e o problema da representação
Marcius A. L. Lopes (UFCA)

terça-feira, 18 de agosto de 2015

corpo e alma





CORPO E ALMA


"E a alma aproveita prá ser
a matéria e viver..."
Marisa Monte

Tudo o que está em nossa imaginação e em nossa memória nasceu pela relação da alma com o corpo enquanto este existe no tempo e é afetado pela ação dos outros corpos.A maioria dos homens concebe o que é eterno a partir dessa ideia confusa das coisas que estão na  memória e na imaginação, por ignorarem que as ideias nascidas da memória e da imaginação não podem ser eternas, na medida em que nasceram de afecções ou modificações do nosso corpo ( enquanto ele sofre a ação dos outros corpos e, assim, padece).
Mas quando a nossa mente consegue formar uma ideia adequada do nosso corpo, o faz compreendendo que este é uma modificação do corpo de Deus, uma afecção de Deus, uma afecção ativa, e dessa ideia adequada do corpo nasce uma alegria que não se origina das afecções do corpo enquanto este é modificado pelos outros corpos finitos, mas do corpo enquanto ele é afecção do corpo de Deus, que é sempre ativo, amoroso, potente. Assim, quando a mente forma uma ideia adequada do corpo, ela forma uma ideia adequada de si mesma também, na medida em que o corpo nada mais é do que a mente apreendida sob a perspectiva da extensão. Assim, o conhecimento do terceiro gênero busca alcançar a singularidade de cada modo não enquanto este tem algo em comum com outro modo, mas enquanto cada modo é uma expressão singular de Deus.
O conhecimento do que cada modo tem em comum com outro é o conhecimento do segundo gênero, ao passo que o “conhecimento” do primeiro gênero é confuso na medida em que cada coisa se imagina como um todo à parte, sem nada em comum.
Assim, somente podemos compreender o que temos em comum se compreendermos, antes, o que temos de diferente e singular. E o que temos de diferente nunca pode existir à parte do todo, mas como parte singular dele, que é sempre processo, Potência.
Sempre que amamos algo, diz Proust, singularizamos este algo da massa, do rebanho. O Amor é prática de singularização, de potencialização da diferença.Então, nada há de mais  singular do que Deus, a Natura Naturante.É por intermédio desse amor, que é conhecimento do singular, que amamos a nós mesmos como objeto desse amor, e não como sujeito à parte. Não somos nós que somos o sujeito desse amor, nós somos o objeto dele.
Segundo Espinosa, existem duas espécies de seres: o que existe em si mesmo , Deus,e os que existem em outra coisa, os modos. O único ser que existe em si mesmo é Deus, nós existimos nele . Não como um carrapato agarrado em um mamífero, mas como uma onda que existe no mar, ou um grau de verde que existe no verde.Assim, não é o amor que existe em nós, somos nós que existimos nele.E sem ele, sem o amor, não podemos existir e nem sermos concebidos.Esse amor é conhecimento do singular enquanto modo da Potência Absoluta.Quem ama o necessário ama sem sofrer, sem esperar: ama por ser.Não é, portanto, uma amor romântico, fantasístico; diferentemente, não é um amor por uma coisa, é um amor que é ele próprio um ser do qual nós somos uma parte. Assim, amando esse ser amamos a nós mesmos como parte desse ser. Amando esse ser amamos todos os seres que são partes ou modo dele, incluindo o ser que nos encontramos e elegemos para ser , para nós, a expressão singular e insubstituível do todo.Não podemos entrar em contato com o todo a não ser por uma de suas partes, a começar pela parte que somos.
O amor psicanalítico concebe o amor segundo o passado, segundo a memória. Nosso primeiro objeto de amor está perdido na infância, e buscamos nos amores atuais uma substituição para essa falta. Assim, todo amor novo nada mais seria do que um segundo amor que busca realizar o impossível: presentificar  um primeiro amor que sempre será falta e que, portanto, nunca pode ser plenamente substituído, a não ser na imaginação. Desse modo, nossa memória se lembra de algo inalcançável, e nossa imaginação cria a ilusão de que o amor atual substitui o amor antigo.
Em Espinosa, diferentemente, o amor enquanto ação não é objeto de uma memória, tampouco da imaginação.Ele é objeto de um encontro. Amar algo é, primeiramente, não vinculá-lo a  nossas memórias. Amar algo é vê-lo em sua singular novidade eterna, e o que é eterno não pode ser objeto da memória. Quando amamos algo assim, mais do que a memória ou a fantasia, o que é despertado em nós é o desejo de produzir, de criar, de fazer, de existir.Mais do que ressuscitar coisas na memória ou inflar a fantasia, o amor espinosista potencializa a nossa percepção.Amar algo não é lembrar ou fantasiar, e sim conhecê-la como ela é, embora saibamos que nunca saberemos tudo o que ela pode, tudo o que ela é. Por isso, amar é prática de conhecimento de uma diferença com a qual aprendemos, podendo assim nos libertar da memória das decepções e maus encontros, e criando no mundo uma obra, mais do que meramente a fantasiando.









sábado, 15 de agosto de 2015

kronos



A eternidade está longe:
brinca de tempo-será.
Manoel Bandeira

O melhor o tempo esconde,
longe,
muito longe,
mas bem dentro aqui.
Caetano

No mito, Gaia, a Terra, tirou de sua imanência Uranos, o Céu  −ou a Eternidade. A Terra é a mãe de tudo,mesmo do Céu,mesmo da Eternidade.Ela, a Terra, nasceu do Caos.Todavia,ela dele não se separou, ela não se pôs à parte: se adentrarmos em seu seio, chegaremos a um ponto no qual  a própria Terra tem seu caos, como o fundo das cavernas muito profundas,ou o núcleo movente onde ferve uma matéria ainda incandescente. Por outro lado, a Terra também se eleva ao Céu: o Olimpo, por exemplo, é uma continuidade da Terra que se ergue ao Céu.Mas não é apenas aqui,nas alturas plácidas,  que moram os deuses, pois  na profundidade caótica também vivem divindades.
Houve um momento, porém, um momento antes do nascimento dessas divindades solares e subterrâneas, houve então uma ocasião em que surgiu Eros, o Amor. Este surgiu também da mesma fonte de onde brotou a Terra.Eros surgiu do Caos.Sob a força do Amor, o Céu ( a Eternidade) veio amar a Terra. Entre os dois já não havia vazio ou distância,havia apenas o Amor.A Eternidade amou a Terra enquanto o Amor os unia. Tudo na Terra se tornou eterno, enquanto a própria eternidade ,enfim, tornou-se Vida.E foi assim, nesta vida ao mesmo tempo terrena e eterna, terrena e celeste, foi nessa Vida indistinta do Amor, foi pela ação dessa vida que nasceram as divindades,cujos nomes expressam realidades físicas, afetos,eventos,valores, ideias.Tudo isto nasceu do Amor que tornou eterna a Terra e terreno o Céu.Nenhum evento físico, nenhum afeto ou valor pode nascer sem este encontro, que é um  "celestar as coisas do chão", diria Manoel de Barros
 Porém, entre os rebentos desse Amor havia o Tempo, Cronos,ele também uma divindade, além de ser,para nós, uma realidade híbrida,ao mesmo tempo física e subjetiva,anímica.Com o Tempo nasceu a medida: minutos, horas, dias; e tudo passou a ser medido assim,embora houvesse ainda a Eternidade como causa das coisas, e que as fazia serem percebidas de outro modo, de um modo eterno ( sub especie aeternita,como diz Espinosa), sem serem reduzidas às medidas do tempo.
Todavia,o Tempo quis tomar o lugar da Eternidade, e assim o fez. Ele,o Tempo,feriu a Eternidade de um modo terrível: ele a castrou,o Tempo castrou a Eternidade,o Céu.Doravante, nada seria mais filho do Eterno,mas tão somente do tempo. Então,tudo nasceria segundo limites mensuráveis pelos minutos,pelas horas,pelos  anos....Nada seria mais  eterno,se nascido sob o  tempo.Os  seres vivos, incluindo o homem, e incluindo também tudo o que pensa ,faz e sente o homem, tudo seria fugaz, passageiro, efêmero,desesperante, angustiante...figuras de um caos que agora passou para dentro do homem. 
O Tempo afastou tanto a Eternidade, ele pôs o Céu tão longe e distante,  que loucos passaram a ser considerados os que afirmam que sentem que são , de alguma forma , também eternos ( Espinosa, Giordano Bruno,Hördelin...). O Tempo também afastou a Terra, o sentido da Terra, e,com ele, o Amor nascido da e pela Imanência. E os que afirmam serem filhos da Terra são considerados mais loucos ainda ( Deleuze,Nietzsche, Artaud...). Quando o tempo quer imperar sozinho, ele transforma o Céu em mera Transcendência que  passará a se opor não a ele,mas  à Terra,uma vez que o Tempo precisa do Céu para justificar-se como tempo da esperança e da promessa.

Mas o Tempo,Cronos, não pode evitar que,nele e através dele, vislumbremos o Céu e a Terra como Horizonte Absoluto que o produziu e produz, aquém de toda esperança e espera. Quando reportado a este horizonte,o tempo se converte em Acontecimento que faz retornarem a Eternidade e a Terra, unidos em um amor fati.











domingo, 9 de agosto de 2015

Jornada republicana/cláudio ulpiano/museu da república


https://www.facebook.com/centroclaudioulpiano/posts/1034012733309649
JORNADA REPUBLICANA - CLAUDIO ULPIANO, PRESENTE!
A Jornada Republicana em homenagem a Claudio Ulpiano foi um grande barato. Agradecemos mais uma vez ao professor Mario De Souza Chagas e à sua equipe, que nos abriu as portas do Museu da República e tornou o evento possível.
Agradecemos também aos excepcionais professores Elton Luiz Leite de SouzaMário Bruno e Paulo Domenech Oneto, que com seu trabalho e suas aulas garantem que o pensamento de Claudio Ulpiano continue passando. 
Em breve compartilharemos partes do evento para você por aqui Emoticon wink
Um grande abraço em todos!



sábado, 8 de agosto de 2015

futebol antifascista 2







“Filho mais velho não pode ter medo”. Quando criança,  ouvi isso de meus pais. “Você tem que ser exemplo para seus irmãos menores”. Eu puxava a fila. Atrás de mim,quatro irmãos. Todos pequenininhos e que iam cantando e brincando atrás de mim,eu também pequeno.Eles nem olhavam para onde iam, pois sabiam que eu olhava, e que tinha que olhar, embora eu também brincando,mas atento ao que poderia pôr a brincadeira em risco. Em tudo tive que ir à frente,muitas vezes sem ter meus pais à frente abrindo o caminho.
 Porém, com seis para sete anos uma amizade me fez experimentar o inverso do que até então eu conhecia.Na verdade, essa amizade foi a primeira que fiz em minha vida.  Ele se chamava Edinho e era cerca de 4 anos mais velho que eu. Ele não  era apenas  meu melhor amigo, ele era também o  irmão que eu escolhi para ter. O irmão mais velho do irmão mais velho.Ele era um grande garoto, e não apenas eu gostava dele. Ele também tinha vários irmãos.Ou melhor,irmãs.Ele era o filho do meio entre quatro irmãs. Então, eu era para ele o irmão mais novo que ele queria ter. Sobretudo para jogar bola, Edinho era louco por futebol . Como ele foi meu primeiro amigo e, até certo ponto,herói, eu aprendi dele esse afeto, esse gosto pela bola. Só havia um problema:Edinho era botafoguense. Meu pai era flamenguista roxo. Creio que era nesse único ponto que meu pai temia minha amizade com aquele garoto. Ainda mais porque eu já começava a me dizer botafogo. Ganhei até uma camisa desse time (dada, é claro,pelo Edinho).Houve uma vez em que o botafogo ganhou de 6x0 do flamengo. Ali,pensava eu, virei botafogo totalmente, e era isso  algo irreversível, como um fato da natureza.
Até que meu pai me chamou para ir ao maracanã,o velho maracanã( naquela época nem tão velho...). Fomos assistir a  um flamengo e bonsucesso, se não me falha a memória.Àquela época, os times do subúrbio tinham boas equipes.
 O maracanã estava cheio:40 mil pessoas, no mínimo. E isto para ver um flamengo e  bonsucesso...Vejam bem :bonsucesso.Um bairro que hoje só aparece nos jornais nas páginas policiais, e isto quando aparece.
O jogo não estava fácil.O primeiro tempo terminou 0x0. O que mais me chamou a atenção no jogo ,além dos doces e guloseimas que passavam nas mãos dos vendedores, era a destreza e agilidade do goleiro do bonsucesso. Um grande goleiro.Um acrobata.Infelizmente, não lembro o nome dele. Começou o segundo  tempo. E eu, cada vez mais botafogo.O jogo continuava difícil. A torcida ,impaciente.
Até que aos 15minutos dessa etapa complementar começou a se aquecer um jogador do flamengo. Ele era muito jovem,um garoto.Ele se aquecia ao lado do campo.Enfim , o garoto se preparava  para  entrar.Foi então que meu pai me disse algo em um tom de ordem,tom este  que não era muito comum ouvir de sua boca. Ele me disse: “meu filho, não tire os olhos desse garoto....”. Eu nada disse ,  apenas confrontei mentalmente a frase que ouvi do meu pai com a imagem que meus olhos viam, e não conseguia ver sentido naquela ordem, ainda que cheia de esperanças.Sim, havia nas palavras do meu pai uma expectativa,como se ele tivesse me trazido ali para ver aquele momento. Contudo, a imagem que eu via era uma decepção:o garoto era magrinho,franzino mesmo,o uniforme o engolia, literalmente. E ainda por cima, pensei comigo, “ele é loirinho! O flamengo nunca teve jogador bom loirinho....”
 Até que o garoto tocou na  bola.Foi um simples toque,uma dominada, e o mundo passou a ter outro sentido. Uma qualidade não se explica pelo acúmulo de quantidades. Se a sopa é ruim, ela não melhora com o acúmulo de colheradas. Mas se a sopa é boa,uma simples colherinha dela que provemos  já nos faz sentir que ela é boa, pois o bom está na qualidade, e a qualidade nada tem a ver com a quantidade, desde que se tenha gosto para sentir. Então,neste primeiro toque já se pôde ver a qualidade que ele tinha.Ele depois ergueu a cabeça como um rei e  fez um lançamento.Que lançamento!... Ele havia antevisto algo que ninguém viu.Ele anteviu o acontecimento em sua virtualidade. Ele jogava também nesse outro plano no qual só existem ideias e imaginações, e estas se conjugam para entrarem no espaço-tempo sob a forma de um movimento plástico que o corpo inventa, surpreende,emociona,vence. O corpo se torna o pincel,  o  instrumento de uma  criação plástica que foi antevista pelos olhos do espírito conjugados com os olhos do corpo."E ninguém sabe o que pode um corpo", ensina Espinosa. Víamos um artista criando, e o campo era sua oficina, seu ateliê.Aquele garoto me fez ver que ali havia uma forma de arte que aperfeiçoava o esporte.Logo depois ele mesmo fez um segundo gol  e nos deu a vitória. Sim, eu já falava “nós” e não mais “eles” ao pensar no flamengo.
Esse garoto me fez esquecer as habilidades acrobáticas do jogador do bonsucesso. Ele me fez  esquecer também meu colega Edinho e seu botafogo...O nome desse jogador ainda garoto era Artur,o mesmo nome do rei  protagonista de fantásticas narrativas criativas ,mais do que de guerras sangrentas .Mas todos já começavam a chamá-lo por um nome simples,como simples  é todo grande. Chamavam-no simplesmente Zico. Aquele foi um dos primeiros jogos profissionais dele. Como meu pai freqüentava  muito o maracanã, já o tinha visto jogar em alguma preliminar. Sai do maracanã olhando as cores vermelho e preto com olhos diferentes.Ao fim do jogo, retornava o povo às ruas,cantando.
E enquanto meu pai me conduzia pelas mãos na saída, eu olhava para ele e,em silêncio,dizia para mim mesmo: “Meu pai sabe tudo...”Eu estava convertido.Não apenas  ao flamengo, mas à arte que um artista , o Zico, mostrou.Esse aspecto do futebol não aliena.Ao contrário, singulariza, potencializa.

Baudelaire dizia: “Seja um poeta, mesmo em prosa”.Zico ampliou esse idéia,e nos  ensinou : “seja um artista,mesmo com a bola”. Essa arte que o futebol pode ser é um elemento da nossa cultura,mais do que um simples esporte. Tal arte expressa o nosso mais genuíno patrimônio: a criatividade.E essa arte nada tem a ver com FIFA,com copa, com corrupção. Confundir essas duas coisas é mortal, e não apenas para o futebol, como para a própria ação que se pretende política, pois se estaria confundindo a potência ( potentia) com o poder ( potesta).

                                                                                    (aos amigos da pelada)






















quinta-feira, 6 de agosto de 2015

sinal verde





Vinte e um de setembro, seis e meia da noite. Centro da cidade.A multidão apressada retorna para casa. O trânsito se arrasta, pesado e  impaciente. Como todo mundo, estou retornando para minha casa, a pé, no fluxo anônimo da multidão. Não penso em nada determinado, estou entre o futuro e o passado,  com os olhos a ir pelo chão.Paro à beira da avenida agitada, preciso atravessá-la. Olho para cima e busco o sinal  . Ele está fechado  para mim , em vermelho ele me diz "não". Baixo os olhos, fito o outro lado da rua:  o ir e vir dos carros me lembra o rio de Heráclito... Volto a subir os olhos, e estranhamente  sinto que não apenas eles eu alço, outra coisa em mim sobe com eles.  O sinal continua vermelho, porém não me fixo nele. Meus olhos saltam  e reparam no que está atrás daquela proibição que me quer parado, obediente, resignado.  Vejo então o fundo infinitamente estrelado de uma noite de setembro que se abrindo nos avisa que a primavera em breve vai nascer  . Esqueço o trânsito, o guarda e aquela rua asfaltada,  olho para o céu  e vejo em   suas estrelas  sinais enfim se abrindo,  posso então ascender.


domingo, 2 de agosto de 2015

manoel de barros: o anexato





Deixe-me ir, preciso andar...
Se alguém por mim perguntar,
diga que só vou voltar
depois que me encontrar.

Cartola


A linha de fuga é produção de uma desterritorialização
que se reterritorializa em um novo território  que não lhe pré-existe.

Deleuze & Guattari



O andarilho

“O andarilho sabe tudo sobre o nada" ( 1997, p. 47). Este nada é o dos nadifúndios .Ele anda "atoamente" , pois “vagabundear é virtude atuante para ele” ( 1997, p. 47). “Vagabundear” provém de “vaga”, “onda”. O vagar das ondas. Edmond Husserl, em seu livro Origem da Geometria, afirma existir uma proto-geometria cujo objeto de estudo são as “essências vagas”, também chamadas de “essências anexatas”. Não se deve confundir o anexato com o inexato. O anexato é inexato por essência, e não por acidente. Ele não é, portanto, uma cópia imperfeita do Exato. O anexato possui uma forma, mas é uma forma "vaga", e “vaga” é o nome que também se dá ao ritmo do mar, enquanto fluxo. A vaga expressa um ritmo, mais do que um ir em linha reta. O anexato é, como diz Manoel de Barros, uma "forma em rascunho".A forma de tudo aquilo que é anexato constitui uma passagem onde o que lhe está dentro lhe desborda, posto que em intensa variação.Enquanto a forma precária do inexato tende a se apagar, a forma em metamorfose do anexato não pára de se reinventar.
Os andarilhos não são exatamente os que andam em estradas já prontas, eles não são peregrinos ou meramente viajantes. Os andarilhos são os que inventam caminhos, sobretudo os caminhos que inauguram sentidos para a linguagem: sinto que “a estrada bota sentido em mim" ( 2010b, p. 59); o sentido está no meio da estrada, e não no seu começo ou fim.  E é talvez por isso que “o andarilho não precisa do fim para chegar”,(1996 p. 71).Os andarilhos “carregam a liberdade deles nos passos que não têm onde parar” ( 2010b, p. 168): “no fundo os andarilhos só estão apalpando a liberdade. O caminho deserto deles é viver debaixo do chapéu” (2010b, p. 124).O “caminho deserto” é um “espaço liso” no qual se produz uma linha de fuga (DELEUZE E GUATTARI, 1980).Os andarilhos não são retirantes ou imigrantes, eles são itinerantes: eles inventam itinerários.O andarilho exerce a "pré-ciência da natureza de Deus". A "pré-ciência" é conhecimento das "pré-coisas", é conhecimento daquilo que é forma em rascunho.

- Obras de Manoel de Barros consultadas:

Compêndio para uso dos pássaros. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1961.
Gramática expositiva do chão. Rio de Janeiro: Ed. Tordos, 1969.
Arranjos para assobio. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
O guardador de águas. São Paulo: Art Editora, 1989.
Gramática expositiva do chão — poesia quase toda. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992 ( segunda edição).
Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996 .
Livro de pré-coisas. Rio de Janeiro: Record, 1997a.
O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Record, 1997b .
Retrato do artista quando coisa. Rio de Janeiro: Record, 1998.
Exercícios de ser criança. Rio de Janeiro: Salamandra, 1999.
Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro: Record, 2000.
Memórias inventadas – a infância. São Paulo: Editora Planeta, 2003.
Concerto a céu aberto para solos de ave. Rio de Janeiro: Record, 2004.
Cantigas por um passarinho à toa. Rio de Janeiro: Record, 2005.
Memórias inventadas – a segunda infância. São Paulo: Editora Planeta, 2006.
Poemas rupestres. Rio de Janeiro: Record, 2007.
Encontros: Manoel de Barros . Rio de Janeiro, Azougue, 2010a (Org. Adalberto Müller).
Memórias inventadas - as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Planeta, 2010b.
Menino do mato.São Paulo : Leya, 2010c.
Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010d.
Escritos em verbal de ave. São Paulo : Leya, 2011.

Outras referências:

ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Pioneira, 2000, 13ª edição.

BARBOSA, Luiz Henrique. Palavras do chão: um olhar sobre a linguagem adâmica  em Manoel de Barros. Belo Horizonte: Fumec/Annablume, 2003.

CAVALCANTI,Ana Símbolo e alegoria – a gênese da concepção de linguagem em Nietzsche. São Paulo: Annablume, 2005

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Kafka - pour une littérature mineure. Paris:
Minuit, 1975.

_____________. Mille plateaux. Paris: Minuit, 1980.

_____________. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34,1992.

LISPECTOR, Clarice.A Descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 1984.

PESSOA, Fernando. O eu profundo e os outros eus.Rio de Janeiro: Nova Fronteira,2006.

RANGEL, Pedro Paulo. Manoel de Barros por Pedro Paulo Rangel.Coleção Poesia Falada, vol. 08.CD.Rio de Janeiro: Luz da Cidade, 2001.

SOUZA, Elton Luiz Leite de. Manoel de Barros: a poética do deslimite. Rio de Janeiro: 7letras/FAPERJ, 2010.