quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

alvorada


Dizem que ele é o último dia.
Ontem o imaginei um velho,
um quase morto.
Mas em sua aurora hoje ele me acordou:
Que manhã...
Dia 31 também é dia novo!


sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

paisagens de verão (summertime)



Quando a alma anda perdida na memória,
é o olho do corpo que a salva:
mostrando-lhe um novo presente
que nasce agora.













segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

manoel de barros:o poeta do deslimite

deslimite pode ser compreendido como um processo ao mesmo tempo estético e existencial, no qual vida e poesia se mostram como as duas faces de uma mesma Vida a qual não se pode impor uma forma ou limite . Esta Vida somente se deixa apreender em uma experiência de devir. O devir não é uma forma ou algo de determinado, mas um processo no qual os seres atingem seus deslimites (conforme veremos ao longo do estudo) .
Atingir o deslimite não significa destruir-se ou negar-se. Ao contrário, é o limite que destrói a invenção que se pode e se deseja. O deslimite , portanto, é uma experiência com a Vida, e não com a morte ( nos vários sentidos que essa palavra pode ter).
Embora seja uma experiência eminentemente poética, isso não significa que ela seja suscitada apenas pela leitura de poesia. A essência de tal experiência é exatamente nos ensinar a alargar a compreensão do que seja poesia, como faz Manoel de Barros, para que a vejamos em todas as coisas que, rompendo seus limites, deixam ver a Vida.

(trecho do livro)


sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

manoel de barros:"o que é verdadeiramente novo nunca vira sucata"

No poema “Achadouros” , Manoel de Barros nos fala de uma  senhora, a "negra Pombada, remanescente de escravos do Recife", que  contava aos meninos sobre Corumbá ter “achadouros” , que eram buracos  feitos pelos   holandeses  em seus quintais para esconder suas moedas de ouro, antes de fugirem apressadamente do Brasil. Durante muito tempo em Corumbá, movidos pelo desejo de encontrar tais tesouros, os homens escavaram  quintais para ver se ali achavam ouro.O poeta é aquele que busca os achadouros também, mas o tesouro que ele deseja é outro : ele escava o ordinário e ali acha o extraordinário; ele escava o habitual e neste acha o incomum; ele cava em si mesmo e dentro de si ele acha o mundo ainda por descobrir. Ele acha, em meio ao barro, ao húmus, ele acha/inventa o ouro de uma vida da qual nunca cessam os inauguramentos.

Nietzsche dizia que o novo  sempre é novo, o estabelecido sempre o foi.É uma ilusão nascida da idéia de progresso ( e que faz par com a idéia de decadência) supor que o que hoje é estabelecido um dia foi novo, ou o que hoje é novo um dia será o estabelecido. O novo sempre foi, é e será novo. Ele antecede, sucede e é coetâneo a si mesmo, como metamorfose. A infância não é  apenas uma  época passada reportada a uma fase da vida,  a infância é "semente da palavra".  Aquilo que é realmente novo, sempre o foi e será; por outro lado, aquilo que é o estabelecido, o "acostumado" ( diria o poeta), sempre o foi e o será também. O novo nunca será o estabelecido, e o estabelecido nunca foi , outrora, o novo.É uma ilusão nascida  do tempo concebido linearmente supor que o novo hoje será, amanhã, o estabelecido; ou que o estabelecido hoje foi, ontem, o novo. Essa ilusão escamoteia um pré-julgamento: o que faz do estabelecido o critério para conhecer o novo. O estabelecido é a gramática, o "saber em tomos", a "expressão reta"; o novo é a agramática, a ignorãça, a infância da palavra, o feto dos nomes. O novo nunca é território: ele é sempre agente de desterritorializações.Os objetos viram sucatas: "Vi que tudo o que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, avião, automóvel (...).Até nave espacial vira sucata" (2010b, p. 71). Todavia, os desobjetos poéticos são sempre fontes de invenção, e esta nunca vira sucata. 


quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

aurora 2

Erguer-se... como se ergue
a aurora do seio da noite”.
Homero, Ilíada.


Assim como a membrana
rodeia  e protege o núcleo da vida,
e o núcleo da vida é o nascer
que antecede a criança,
a aurora rodeia e protege
o novo dia,
e sua luz sem tremer aos vivos chama:
"levanta!"









quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Manoel de Barros:desbiografia



A importância de uma coisa não se mede com fita métrica  nem
com balanças nem com barômetros etc. (...) A importância de uma coisa
há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.

Manoel de Barros


“Não sou biografável”, disse certa vez Manoel de Barros.  E nos confessa ele ainda que suas memórias são inventadas.Sem dúvida, é difícil capturá-lo em uma apresentação biográfica habitual, pois ele se aloja em uma região imperceptível aos olhos daqueles que só percebem o já visto, o etiquetado.
Ser imperceptível não é ser invisível. A imperceptibilidade é a maneira de ser daqueles que, como diz Deleuze, emprestam seus nomes para assinar acontecimentos, idéias, sensações. Ser imperceptível é um caso de devir: devir imperceptível. Tornar-se imperceptível é pôr em questão os mecanismos que, de forma a priori, determinam a percepção, fazendo-a submeter-se a um já dado que nos cega diante daquilo que é diferente.
Quando o nome próprio conquista a potência de expressar acontecimentos e sentidos, despe-se da pessoa que até então designou , uma vez que aquele que o porta atinge a mais necessárias das artes: a de se tornar impessoal. “Palavra que eu uso me inclui nela” afirma Manoel de Barros. Para haver essa inclusão, esse devir, é preciso aquela arte. Assim, diz Deleuze a esse respeito, descobre-se “sob as aparentes pessoas a potência de um impessoal, que de modo algum é uma generalidade, mas uma singularidade no mais alto grau.” No poema intitulado “Ninguém”, Manoel de Barros escreve:

Falar a partir de ninguém faz comunhão com as árvores
Faz comunhão com as aves
Faz comunhão com as chuvas
Falar a partir de ninguém faz comunhão com os rios,
com os ventos, com o sol, com os sapos.
Falar a partir de ninguém
Faz comunhão com borra
Faz comunhão com os seres que incidem por andrajos.
Falar a partir de ninguém
Ensina a ver o sexo das nuvens
E ensina o sentido sonoro das palavras.
Falar a partir de ninguém
Faz comunhão com o começo do verbo.

Tornar-se impessoal, “Ninguém”, é conquistar o estatuto de um sujeito coletivo de enunciação: sua voz já não diz “eu” , mas “nós”. E neste “nós” inclui-se sobretudo o que não tem voz, mas que a poesia faz falar: “Queria ser a voz em que uma pedra fale”,uma voz que já não manifesta um eu pessoal :

Tenho abandonos por dentro e por fora.
Meu desnome é Antônio Ninguém.

Pela voz poética de Manoel de Barros também se tornam sujeitos,mas sujeitos larvares, uma quantidade infindável de seres: lagartixas, girinos, bocós,pedras que dão leite, patos atravessados de chuva, arames de prender horizonte,tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma... enfim, o que não se pode vender no mercado:“coisas se movendo ainda em larvas, antes de ser idéia ou pensamento”. Manoel de Barros nos diz ainda:

Quem atinge o valor do que não presta é, no mínimo,
Um sábio ou um poeta.
É no mínimo alguém que saiba dar cintilância aos
seres apagados.
Ou alguém que possa freqüentar o futuro das palavras.

Mais do que tudo, o que por sua voz fala é a própria língua que, despida da forma da gramática, “voa fora da asa”:

Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimento
 O verbo tem que pegar delírio.

Este “fazer nascimento” referido pelo poeta inunda a poesia com a potência de um germe: na imanência deste, o verbo, como logos, liberta-se dos substantivos e das substâncias; devém ele próprio experimento com o sentido, e nos ensina: “Poesia é voar fora da asa”: “a poesia é a loucura da palavra”.

Trecho do livro:

sábado, 29 de novembro de 2014

o que pode a arte

Isso ninguém me contou. Eu estava lá e vi.Aconteceu no hall do 9ª andar da Uerj, onde eu estudava, há uns 25 anos.O hall da Uerj era  um espaço amplo, de tal modo que pôde ocorrer ali uma encenação do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal.O lugar estava cheio, todo mundo sentado no chão. Havia ali estudantes de psicologia, de história, de ciências sociais, de comunicação, de filosofia...
O Teatro do Oprimido abolia palco e roteiros.Ele acontecia o mais próximo possível da realidade concreta, e tentava romper o fosso  entre o lugar da arte e aquilo que supomos ser a realidade objetiva, “normal”. Sentados no chão, os estudantes formavam uma grande roda, e foi no centro dessa roda que o próprio Augusto Boal entrou e fez uma breve apresentação do que iria acontecer. O tema da peça era uma dona de casa classe média cujo filho usava drogas. Ela, porém, desconhecia essa conduta do filho. Então, o Boal nos explica que a cena que vai abrir a peça será o filho entrando sorrateiramente no quarto da mãe para surrupiar um relógio caro para ir trocá-lo por drogas. Depois ele nos diz que esse fato gerará uma situação onde haverá um opressor e um oprimido, cujo desenlace a gente acompanharia. O Boal se retira , a peça começa.
Vemos o filho furtando o relógio. Na cena seguinte, a dona de casa entra no quarto e se dá conta do furto.De imediato, ela chama pela empregada .No Teatro do Oprimido o importante não era exatamente a caracterização do personagem ou a fidelidade realística do cenário. O importante era a ideia, a questão a ser mostrada.Talvez por isso, suponho, a atriz que fazia a empregada também poderia, pelo seu tipo físico, fazer também a dona de casa. Mas havia algo que marcava de forma clara a sua condição: ela portava uma vassoura. Os objetos também portam valores, ideologias, divisões sociais. Os objetos também são protagonistas. Um relógio de ouro, uma vassoura...Quantas coisas eles falam para quem souber ouvir, um ouvir que também é um ver.
Mal a empregada chega diante da patroa, esta toma por verdade uma mera suposição, e começa a agredi-la verbalmente, após indagar acerca do relógio e obter como resposta da empregada de que não o vira. Porém, a patroa não aceita a resposta, não acredita nela e passa da suspeição à acusação explícita. Percebia-se que a patroa era alguém que tinha formação universitária. Ela apresentava  um repertório verbal acima da média, e não se equivocava nas regras da gramática. Essa destreza com as palavras  tornava a opressora mais cruel no emprego delas  como arma.
No auge da violência verbal ( que encobria outras violências), entra o Boal e diz: “parem a cena!”. Ele se dirige então à plateia e pergunta aos estudantes se alguém gostaria de tomar o lugar do oprimido para dessa forma tentar vencer o opressor. Logo apareceu uma prestativa candidata. Por coincidência, eu a conhecia: era uma estudante de psicologia. Pelo seu ar confiante, parecia que ela saberia rapidamente como dar o “xeque-mate” na patroa cruel e desumana. O Boal a trouxe para a cena, perguntou-lhe o nome e o que ela estudava. Após isso, ele pegou a vassoura que estava na mão da atriz que fazia a empregada e passou à mão da estudante. Era apenas esse elemento material que indicava a condição da personagem. Não havia avental, maquiagem ou outro elemento identificador. A cena prosseguiria exatamente do ponto onde parou, nem antes e nem depois. Como não havia roteiro, a estudante poderia interromper o fluxo verbal da opressora quando quisesse. Pois bem, ela tentou fazer isso...De acordo com sua formação, deu para ouvir que a estudante de psicologia estava se apoiando na psicologia para se defender e , quem sabe depois, atacar.Porém não deu tempo nem para a defesa, pois a atriz-patroa, extremamente hábil e arrogante, pôs abaixo, com extrema facilidade, as referências psicanalíticas  atrás das quais a aluna se escudava.Sentindo-se  derrotada, a própria aluna pediu para parar, ela queria sair.
Boal entrou em cena novamente ,pegou a vassoura da aluna-psicóloga e perguntou se mais algum aluno queria lutar contra a opressora .Uma observação sobre a opressora:ela não se apresentava como um monstro ou como alguém que de imediato percebemos ser uma má pessoa. Ela tinha um tipo comum. Parecia uma pessoa “normal”, que até mesmo tem amigas e que dá conselhos aos filhos  e coisas semelhantes. Havia na personagem uma tensão entre uma máscara e as sombras dessa máscara, atrás da qual estava o preconceito e, também, o fascismo.Ela não era uma simples louca, parecia mais a representação de uma ideologia que na última eleição também deu suas caras.
Dessa vez, Boal teve que insistir um pouco mais no convite  à participação.Um estudante, enfim, estendeu a mão e  levantou-se. Percebi que ele estava com o Código Civil na mão. Tudo levava a crer que ele estudava Direito. No palco ele confirmou essa minha impressão.Boal passou-lhe a vassoura, ele se ajeitou .Boal deu a ordem para o recomeço.O garoto falava bem, tinha mais habilidades argumentativas e retóricas do que a aluna anterior. Além disso, ele também falava alto e com aparente segurança.Por um momento, parecia que ele estava vencendo.  Foi uma ilusão...No plano das ideias, ele ia bem. Percebendo talvez isso, a atriz-patroa começou a fazer o que em retórica se chama recurso “ad homini”, “contra o homem”. Quando um mau argumentador percebe que no plano das ideias ou dos argumentos se sairá derrotado, ele passa então a atacar a pessoa do seu  oponente. Procura por pontos fracos e  os explora, tal como a hiena que espreita o leão para ver se ele está com alguma ferida. E o garoto tinha uma ferida: a pouca experiência em viver uma situação na qual ele era um pobre . Ele era da mesma classe da opressora, isto se via.Ele se comportava mais como um advogado, não como alguém que compreendia existencialmente o que é ser oprimido.Ele ficou bastante tempo no papel, todavia também desistiu.Ele deu a vassoura ao Boal e saiu vermelho e suando mais do que o normal.
O diretor indagou se mais alguém queria lutar contra a opressão. Não a opressão macro-política, aquela que identificamos às forças policiais do Estado, e sim a opressão cotidiana, “invisível” à grande mídia, e que só conhece quem a sofre. Houve um silêncio na plateia, ninguém se habilitava. Alguns conhecidos ao meu lado olharam ironicamente para mim ( e havia um ar de desafio no olhar deles).
Mas antes que eu pudesse reagir, virei-me para trás e vi a seguinte cena que quase ninguém percebia que estava acontecendo paralelamente à cena do teatro: na porta do banheiro feminino, espreitando tudo de forma discreta (  pois ela parecia não queria chamar a atenção para si mesma, poderiam despedi-la  por não  estar limpando o banheiro e  sim vendo uma peça de teatro), na porta do banheiro estava uma das faxineiras da Uerj. Era uma senhora negra, simples, já passando dos sessenta anos. Ela estava prestando atenção em tudo, embora ninguém estivesse prestando atenção nela. Ela estava de certa forma invisível àquele mundo de estudantes e teorias teatrais, porém algo nela transparecia querer  sair daquele lugar passivo .
Então, a vi tomar coragem, embora estivesse muito nervosa. Assim que o Boal indagou mais uma vez se alguém queria lutar contra a opressão, ouviu-se uma voz vindo de trás de todo mundo. Não era uma voz jovem , não era uma voz de estudante. Havia naquela voz uma tensão, um drama, uma decisão. Todos se voltaram e a viram. Ela vestia um uniforme azul e portava sua vassoura. Ela foi atravessando por entre os alunos sentados. Houve um buchicho, comentários em surdina. O Boal estampava  um sorriso, ele sabia que muitas vezes se vive e trabalha anos para um momento como aquele. Ela se acercou do diretor, estava nervosa. Com muito custo se voltou para a plateia e disse seu nome: “Maria...Maria da Anunciação”. Após isso, o Boal deu a Maria a vassoura da personagem, e a Maria passou ao Boal a vassoura que era seu ganha pão. E as vassouras, a da arte e a da vida, eram exatamente iguais. Ali entendi porque o teatro grego nasceu da vida : antes de passar ao palco, já na Grécia Clássica, a arte era  vivida como indistinta da própria vida.E isto era, ao mesmo tempo, artístico, poético, político, vital, divino.
Boal pôs a Maria da Anunciação no papel de representar a ela própria. Mas como representar a si própria a não ser sendo si mesma? E ser não é representar, ser é agir, sentir, pensar, expressar, existir. Ali já não havia representação, embora houvesse linguagem, sentido, arte.Quando foi dada a ordem para o reinício, a patroa retomou seus vitupérios. Contudo Maria não se curvou, tampouco entrou em disputas dialéticas. Ela segurou firme a vassoura, e  de “ganha pão” ela se tornou uma arma:  Maria saiu a desferir golpes de vassoura na opressora desumana. Ela batia de verdade! Foi necessária toda a equipe para segurá-la,  Maria era forte. Explicaram para ela que era tudo mentira...Mas seria mentira para Maria, a Maria-povo, a experiência da opressão? Aos poucos ela foi se acalmando, já sorria.Todo mundo sorria.E de vassoura na mão voltou Maria da Anunciação para seu trabalho. Ela passava sorrindo olhando para a gente. Ela nos perdoava.









sexta-feira, 28 de novembro de 2014

a ideia transparente

De tudo o que ouço e vejo
guardo menos de um terço:
o que é belo eu lembro,
o que é vil eu esqueço.

Faço isso para manter limpa
a luz da minha mente:
e que seja meu espírito o ninho
de uma  ideia transparente.



terça-feira, 25 de novembro de 2014

o coração, o desejo e a razão


Aquiles vai à frente
e puxa os demais.
Heitor também está à frente,
 para proteger quem está atrás.

Um é amigo da guerra,
o outro o é da paz.
E tudo no mundo pára,
para ver  quem   pode mais:
eles lutam não apenas no campo de batalha,
eles se enfrentam também no dos ideais.

Aquiles salta,
Heitor tem os pés no chão.
Aquiles ama a morte,
Heitor ama o irmão.
Se em Aquiles a poesia aos Deuses exalta,
em Heitor ela é obra da humana condição.

Morre Aquiles para viver na glória.
Morto foi Heitor em defesa de sua memória.
Quis Aquiles o extremo sem comparação.
Quis Heitor apenas a medida do coração.

Entre ambos havia uma muralha:
para o primeiro, um obstáculo;
para o segundo, uma proteção.
De longe os espreitava Ulisses,
 o homem da ardilosa razão.

Ulisses não tinha a coragem de Aquiles,
tampouco de Heitor a gratidão.
Sua arma era o cálculo,
a frieza da abstração.

E lá onde os corações ardendo se batem,
Ulisses dissimula sua fria ambição:
enquanto morrem os autênticos em combate,
esquivo  foge Ulisses com o ouro na mão.





****   ****

WITTGENSTEIN

Queria lhe mostrar a paisagem,
a única paisagem que há.
Embora única, ninguém a pode medir ou contar.

Ela está à frente,
atrás,
dentro e fora.

Ninguém a cerca,
ninguém é seu dono;
e para percorrê-la só a amando,
somente desejando livre  passear.

É ela que nos circunda quando a noite  ameaça,
é dela o ar que enviva o que se move e o que voa.
E quando tudo ao redor se afasta,
ela é a única que fica  e   perdoa.

Na doença, ela te cura;
na tristeza, ela te alegra;
na fome, ela te alimenta;
 na morte, ela te faz renascer.

Não importa se é dia ou noite:
ela se estende igual.
Não importa se chove ou faz sol:
nada a nega, nada a pode desfazer.

Queria lhe mostrar essa paisagem.
Queria lhe fazê-la viver.
Mas não se pode descrevê-la,
não se pode representá-la,
só a poesia a faz aparecer.

Ela é evidência e obscuridade,
clarão e recolhimento,
palavra e silêncio,
tempo e eternidade.

E ainda mais:
ela não coincide com esses extremos,
pois ela vive no meio.
E a partir daí se amplia,
idêntica à novidade.

A criança a faz brincando.
O pássaro a ensina voando.
A rosa a mostra exalando.
O sábio a diz se calando.
.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

a fonte do poeta

Ele era um homem comum: nem melhor , nem pior do que os outros.Perto de sua casa passava um rio.Ele via o rio todos os dias. Ora nele se banhava, ora pescava, ora se divertia.Do rio ele extraía o útil e o lúdico. Ele pensava que conhecia bem o rio, o rio que por sua casa passava.
Mas houve um dia que lhe nasceu uma questão: onde nasce esse rio? Onde fica sua fonte, sua nascente? Ele desejou então buscar a nascente, subindo pela margem, próximo à corrente.
Não demorou muito para ele ver que o rio conhecia paisagens diferentes daquelas que cercavam sua conhecida casa. O homem atravessou lugares que nunca antes viu. Faltava-lhe agora mapa, bula, opinião. Doravante,apenas o rio era  o fio ao qual ele se agarrava, para assim vencer labirintos. Ele pensou em desistir , pensou voltar. Teve medo, teve horror, teve desesperança. Podia ele confiar  naquele rio?
Contra si mesmo, ele continuou. As águas foram ficando cada vez mais translúcidas, e melodias inauditas ele ouvia vir da multicolorida mata.As borboletas perderam medo dele:elas pousavam em seus ombros. Em tudo havia música. Já não havia dúvidas: a fonte  não estava mais longe.Ele veria onde o fluxo nasce.
De repente, ele viu.Ele viu o que nunca antes nenhum homem pôde olhar.Ele viu a banhar-se na fonte a deusa Atena, a deusa da Sabedoria.E a Sabedoria estava nua.A Sabedoria não vestia nenhuma teoria, nenhuma fórmula, nenhum número, nenhuma verdade, nenhum dogma. Ela estava completamente nua, inocente.E o homem então viu que quando a sabedoria se despe das vestes acadêmicas, é como poesia que ela se mostra.
Atena virou-se para ele e viu amor nos olhos daquele homem.E quem vê nascer em si  um amor assim nunca mais será o mesmo.Quem vê a sabedoria nua vê tudo o que se pode saber. Nada mais precisa ver.É nas fontes que a sabedoria está. Quem a vê nunca mais a esquece, nunca mais a deixa de ver.
E foi assim que esse homem se tornou um sábio, através dessa metamorfose nascida de uma visão poética, onde tudo o que se precisava  saber ele viu, para nunca mais esquecer.
No mito grego esse homem se chamava Tirésias.Para protegê-lo da cegueira dos homens, a deusa o cegou para aquilo que os homens chamam de realidade. Mas os olhos do seu espírito estariam sempre a vê-la, e Tirésias compreendeu que nada mais ele precisaria ver, a não ser ela, a Sabedoria.E que não se pode olhar para a Sabedoria sem  os olhos do amor.

Mas esse homem também poderia se chamar Manoel: o sábio-poeta que descobriu que dele brota uma “visão Fontana”.


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

os frutos (eternos) do querido manoel






Se a gente não der o amor ele  apodrece em nós.

Manoel de Barros


O que diz Manoel também já o disseram sábios, santos, simples.Já o disseram fazendo.Quando a gente dá o amor, aquele que o recebe e o que dá passam a existir mais. O poeta dá o amor à palavra: ao receber o amor que o poeta lhe dá, a palavra também recebe o poeta e deixa que ele viva nela. E assim o poeta já não vive apenas dentro dele, mas vive fora, nas coisas, no mundo. Van Gogh deu amor às tintas, e estas o receberam amando-o. E Van Gogh se metamorfoseou em girassol que nunca apodrece, mesmo que apodreçam as tintas com as quais o girassol pintado é feito.
Ódio, inveja, rancor, cobiça, vaidade...são frutos apodrecidos.Ódio, inveja...são amor apodrecido, e isto se vê facilmente no rosto , nas palavras e nas ações de quem os sente. As paixões tristes, como ensina Espinosa, são frutos apodrecidos . O ódio , o rancor, a cobiça, a vaidade...não são o fruto original,pois estes frutos não nascem da árvore da vida, da árvore da Natureza. Se tais paixões tristes existem e governam os homens, é na alma destes que tais frutos têm raízes. Não raro, estes frutos apodrecidos são a moeda pela qual se compram ou obtêm fama, poder, posses, títulos.
Somente o amor é, da árvore da vida, o fruto. Fruto que não se vende ou troca, mas que se dá, que se oferta. O poeta dá o amor sem esperar amor em troca. Ele dá o que já está nele, e não o que lhe falta. Generosidade da invenção, da alegria.
 Mas antes do fruto estar maduro, ele cresce em nós ainda verde. Ele amadurece em nós de acordo como amamos a nós mesmos, de acordo como o cultivamos cultivando-nos.E isto se faz discretamente, sem alarde, sem esperar reconhecimentos, a não ser da própria árvore que gerou o fruto. E esta nos recompensa fazendo nascer mais frutos em nós: ela nos faz nascer mais ideias, mais poemas, mais arte, mais alegria,mais afeto, mais afirmação, mais generosidade ,mais ousadia , mais  firmeza, enfim, ela faz nascer mais do mais: ela nos faz nascer nascimentos ( "na ponta do meu lápis só tem nascimento", sorri para nós o poeta).
Árvore rizomática de múltiplas raízes .Árvore sem centro, que cresce horizontalmente e nos horizonta.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

salut


Cantei.
E a nuvem que me cegava,
passou.

Cantei.
E o raio que vinha,
voltou.

Cantei.
E o nó que me apertava,
folgou.

Cantei.
E o ontem que continuava,
findou.

Cantei.
E o sentido de que me perdi,
me achou.

Cantei.
E a alegria de mim surda,
me escutou.










quarta-feira, 5 de novembro de 2014

manoel de barros: as fontes do saber

Certa vez, quando perguntado sobre sua poética, Manoel de Barros respondeu:

Penso que nasci com o olho divinatório, que é o que chamam de dom. É assim que Sófocles, no Édipo Rei, chamou. Ele disse que o artista nasce com esse olho divinatório. E que esse olho deve ser completado com outro olho, que é o olho do conhecimento. E completou que a arte é feita da reunião desses dois olhos. Isto seja: que a arte é o terceiro olho. Eu andei lendo os poetas, os filósofos, ouvindo os músicos, vendo os Picassos para ganhar o olho do conhecimento. Acho que a construção de minha poesia, que é uma construção meio caipira e meio erudita é fruto desse terceiro olho e mais de uma disfunção lírica. Essa disfunção vem do grande fastio que tenho pela palavra acostumada.    
                                       
 “Olho divinatório”: olho de transver as coisas, desformar a natureza. Assim, a poética de Manoel de Barros é inseparável de uma percepção. Esta não é um “fazimento cerebral”, mas um instrumento de incorporação. Incorporar as coisas é sê-las, é mimetizá-las como um camaleão. 
O olho de transver é uma “visão fontana”  na qual o mundo, renovado em seu inacabamento , renasce e jorra em sua eterna  novidade:  

Tudo que os livros me ensinassem
os  espinheiros já me ensinaram.
Tudo que nos livros eu aprendesse nas fontes eu aprendera.
O saber não vem das fontes?


(trecho do livro)




sábado, 1 de novembro de 2014

o acontecimento

Foi no meio da rua,
no seio de tudo.
Ele ia anônimo,
como todo mundo.
E foi assim, sem roteiro,
sem bula,
sem previsto,
sem conceito;
foi assim que ele viu o acontecimento.
O acontecimento sem nome,
sem hora,
sem padrão.
O acontecimento apenas acontecimento.
E isto era tudo,
bastava,
transbordava,
vivia:
era simples,
era eterno,
mas ainda estava a nascer.
O homem então buscou papel,
caneta...
ele queria escrever.
Mas somente encontrou o coração.
Dentro deste ele guardou o que viu.
Para que pela sua boca,
pelos seus gestos,
a todos ele pudesse dizer.




terça-feira, 28 de outubro de 2014

o que é o comum?

O comum é aquilo que é igual tanto no todo quanto nas partes.É Espinosa que nos fornece essa definição.O comum não nasce da mera associação de indivíduos. Estes somente se associam mediante um contrato, contrato este que eles são obrigados a seguir, pois o descumprimento do mesmo pode acarretar alguma sanção ou prejuízo.  O pressuposto dos contratos é a primazia do indivíduo.
O comum não nasce de contratos ou receio de prejuízos.Quando nasce um comum, cada indivíduo se torna parte do comum que os agencia. Equivocadamente, sempre imaginamos o todo como um conjunto fechado.E dentro dele imaginamos seus componentes.O todo seria o continente e os componentes seriam o conteúdo.Imaginamos ainda que apenas os componentes estabelecem relações, e que o todo-conjunto sempre permaneceria o mesmo, independentemente das relações de seus componentes.Imaginamos até mesmo um conjunto vazio, sem componentes.Mas nada disso traduz o que Espinosa chama de comum.O comum não existe como um conjunto . O comum nasce das relações: ele é a própria relação.Os contornos de um comum vão até onde alcança o nosso poder de agir e de pensar.O conhecimento, por exemplo, é como uma gaiola que nos encerra em padrões imutáveis existindo em limites delimitados ou é algo que nos amplia?Ampliar-se pelo conhecimento não é aumentar o tamanho físico de nosso corpo, tampouco aumentar a extensão das coisas que podemos dizer nossas, como propriedades privadas; o conhecimento nos amplia pelas conexões que ele nos possibilita, tornando-nos  partes de infinitas coisas: parte da pólis, parte do planeta, parte da noosfera, parte do infinito, parte das descobertas que nós mesmos fazemos, enfim,parte do conhecimento mesmo que nos amplia.
A amizade nasce de um contrato? O amor se mantém por um contrato? E mesmo a justiça, ela é garantida apenas pelos contratos?Amizade, amor, justiça, conhecimento...são noções comuns. São várias as causas que fazem nascer o comum, mas a mais forte é a alegria.Ao contrário,muitas relações tristes somente se mantêm pelos contratos que as obriga.
 Para Espinosa, a alegria é um aumento do nosso poder de agir, do nosso poder de existir. Assim, o comum não nasce para nos limitar, tal como o contrato, mas para nos expandir.Há uma dimensão do afeto na instituição do comum. E destruir o comum é destruir parte de nós mesmos.O comum nasce do agencimento, não da associação ou união.
O comum não nasce no exterior dos indivíduos , assim como os contratos que dependem do Estado e de suas polícias; o comum nasce na imanência dos indivíduos, em seus desejos.
Segundo Espinosa, o todo é maior que a mera soma de suas partes. Assim, quanto mais afirmamos o comum, mais existimos nele, ele que sempre nos aumenta. Mas o comum não existe apenas nele ou nas partes, ele existe tanto nele quanto nas partes. Por exemplo, o conhecimento como o comum que liga professor e alunos não existe apenas nele mesmo, como um céu inatingível, tampouco existe apenas no professor; o conhecimento existe nele mesmo, no professor e também no aluno. O conhecimento não existe apenas naquele que ensina, ele existe também naquele que aprende; e mesmo aquele que ensina, enquanto parte do conhecimento, aprende também com o ensino enquanto todo que é mais do que ele. O comum não é um território com cercas delimitadas, ele é um  processo: nele há lugar para a invenção,invenção do conhecimento e de nós mesmos.
A amizade que une Pedro e Paulo não está apenas em Pedro ou em Paulo, está em ambos e mais na própria amizade enquanto ideia comum que os torna amigos.Pedro é parte de Paulo enquanto ambos são partes da amizade, pois o comum não existe sem partes.Um conjunto pode existir sem componentes, como conjunto vazio, mas não pode existir amizade sem amigos, amor sem amantes, ensino sem professor e aluno.
O amor que liga Pedro e Maria não está apenas em Pedro ou em Maria, mas está em ambos enquanto eles são partes, partes singulares,do amor que os agencia. Pedro não ama Maria por obrigação e nem mantém o laço por obrigação, a não ser que reduzamos o amor a um contrato, inclusive um contrato apenas moral.
Não se deve confundir indivíduo e singularidade.Por se oporem como átomos isolados, os indivíduos somente se unem mediante contratos que eles realizam por suas respectivas vontades.A primazia do indivíduo o faz existir como um todo à parte: onda sem mar,mão sem braço,nuvem sem céu, fruto sem árvore.Mas somente quando produz o comum que também o produz, o indivíduo devém singularidade, pois é somente como parte de um comum  que podemos nos singularizar.Singularizar-se não é enrijecer nossos contornos de acordo com uma identidade,mas descobrir que são as relações que nos constituem também intimamente.E toda relação que singulariza é composta de três, e não de dois. Ela é constituída por aqueles que se agenciam e mais o comum que dá sentido ao agenciamento.
Quando entre os indivíduos não existe um comum que os agencia, eles passarão a existir de tal forma que um quererá impor ao outro a sua maneira de ser, o que dará nascimento a esperança de reconhecimento por mero reconhecimento e medo de rejeição, o que acaba por fomentar ódios recíprocos, mantidos ocultamente ou explicitamente.
O comum não é o mero consenso nascido da semelhança da opinião de indivíduos.O comum é a criação de um terceiro indivíduo do qual me torno parte, não como indivíduo, mas como singularidade.Ou seja, produzimos o comum enquanto potencializamos nossa diferença.Pois potencializo minha diferença quando a faço parte, parte ativa, de uma diferença ainda maior.Somente as diferenças se agenciam : na e pela diferença.São as diferenças que nos assemelham, não a identidade.É uma ilusão profunda imaginar que existe uma ideia geral de amizade, uma ideia geral do amor, uma ideia geral do ensino, que passarão a ser impostas então como padrão ou modelo.O comum não é uma ideia geral.Assim, existem mil maneiras diferentes de se produzir a amizade, o amor, o conhecimento....Um museu produz uma ideia de conhecimento totalmente diferente da escola formal.Mas entre o museu e a escola existe ainda um comum: o conhecimento como ideia plural que cada um realiza de forma diferente.O comum não é paradigmático, ele é sintagmático.
O comum não é um mero efeito, ele é causa: a amizade nos torna amigos, o conhecimento nos torna agentes do conhecimento ( não só o professor é agente, o aluno também o é). O comum não o é apenas em relação a almas, ele também envolve os corpos. Nasce não apenas uma alma comum entre os amigos, nasce igualmente um corpo comum, corpo que não é apenas fisiológico ou orgânico, mas corpo afetivo, qualitativo e intensivo.É um corpo onde ambos se apoiam para agir.

O corpo tem por virtude a ação. Assim, um amigo é aquele que podemos reconhecer pelas ações, assim como se reconhece pelas ações um professor e um aluno, desde que também exista a educação como o comum que também liga suas almas. O comum não concerne apenas à alma ou ao corpo, mas aos dois. 

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

manoel de barros: os nadifúndios




(trecho do livro)

Ao  contrário do latifúndio, que faz da improdutividade uma extensão sem fim ( extensão esta que é propriedade de uns poucos, ao preço de excluir muitos), o “nadifúndio” é a Terra dos que produzem , mesmo que excluídos, mesmo que explorados. Há latifúndios lingüísticos aos quais o poeta invade com seus nadifúndios.
O nadifúndio é a Terra dos que produzem bens e valores que não se podem vender ou comprar no mercado. 
Nos nadifúndios  se plantam “rizomas”. Ao contrário da árvore (que se fixa ao solo  e cresce verticalmente ) , o rizoma é uma raiz que troca a profundidade do solo pela sua superfície sem fronteiras.
O rizoma é uma raiz que faz do deslimite o seu chão. As plantas rizomáticas crescem horizontalmente: suas raízes espalham-se em todas as direções possíveis, e só visam a verticalidade se for por intermédio de um muro que se quer ultrapassar, transpor. Impossível determinar  o número de raízes que servem de apoio ao movimento  de uma planta rizomática, visto que  suas raízes são múltiplas, incontáveis : brotam e nascem conforme as exigências de expansão da planta . As formações rizomáticas não possuem centro. Os rizomas são plantas sem “existidura de limite”. O substantivo é a árvore da linguagem, ao passo que os verbos são seus rizomas. 
 O saber que apreende os nadifúndios  constitui uma  poética da  ignorãça
Não tive estudamento de tomos.

Só conheço as ciências que analfabetam.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

um passarinho chamado dener

Quando olhei para a janela de minha sala, vi pousado o passarinho que eu criava, e que há alguns anos libertei. Mas agora ele estava ali, livre. Era um canário todo branco. Um príncipe.Eu o ganhei preso em uma gaiola. Não aprecio gaiolas, tanto as que prendem passarinhos quanto as que aprisionam  almas.Porém, esse canário me fora dado de presente, e achei por bem não recusar.Com o tempo, apeguei-me a ele.Depois de anos de sua canora companhia, decidi soltá-lo próximo a árvores do amplo Aterro do Flamengo. Não queria que ele morresse preso.Assim, o libertei. Após alguma hesitação, o canário arriscou um voo. Não foi muito longe.Suas asas nunca tiveram tanto espaço para explorar.Dei-lhe as costas, embora eu não quisesse. Quando me voltei, segundos depois, ele já não estava mais lá. Creio tê-lo visto entre as folhas de uma amendoeira que não distava muito de onde o soltei.
Mas já faziam muitos anos que o soltei.E agora ali estava ele, parecendo que foi ontem que tudo aconteceu. Pelo jeito ele me perdoou, se é que ficou sentido comigo por obrigá-lo à liberdade.
Apanhei um pouco de comida e ofertei em minha própria mão.Sem medo, veio o canário pousar nela e comer os grãos.Eu estava muito feliz com seu imprevisto retorno.Por onde ele terá andado?Pensei comigo.Mas um canário vive tantos anos?Meditei.
De repente, ele abriu as asas e voou novamente ao parapeito. Somente quando ele posou reparei que na mesma janela já o esperavam dois pardais.Estes se mostravam ariscos, desconfiados.
Não sei ao certo se o canário assobiou ou disse em palavras, mas de alguma maneira ouvi ele dizer aos seus companheiros de rua e bando: “podem chegar perto dele, ele é amigo”.E os três olharam para mim.
Peguei mais comida e ofertei aos pardais. Mas nada de eles virem, ariscos que estavam.Então, coloquei o alimento sobre a mesa.Eles voaram para perto do alimento e dele comeram.Já olhavam para mim como que me reconhecendo.
De repente, eles viraram crianças.Eram três crianças na minha frente.O canário e um dos pardais se metamorfosearam em duas crianças que creio nunca ter visto antes.Mas um dos pardais era agora uma criança da qual me lembrava bem: era meu irmão Dener!Mas por que ele está assim criança? Pensei comigo. Este meu irmão já era adulto, já passando dos quarenta. Não importa: me inclinei para abraçá-lo.Porém, nada peguei, a não ser sua lembrança, pois me recordei que este meu irmão havia morrido há apenas alguns dias.Ele olhou para mim e percebeu que eu me dei conta de que aquilo era um sonho.Ele disse: “já vou indo...”, e  chamou os outros dois passarinhos-crianças para irem com ele.
Quando os três estavam perto da janela, perguntei: “mas vocês são capazes de voar assim, apenas como meninos e sem asas?”. “Podemos sim”, disse meu irmão para mim. Apontando para o menino-canário, meu irmão me falou: “Foi ele que nos ensinou”.

E assim os três se foram: enquanto eu despertava ,eles voavam atravessando o limiar da gaiola deste mundo.

sábado, 18 de outubro de 2014

CURSO: FILOSOFIA E LITERATURA

FILOSOFIA E LITERATURA: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


 
Imagem: A Girl Writing: The Pet Goldfinch by Henriette Browne, 1829-1901 (Museum of Childhood)

OBJETIVOS
Facultar a possibilidade de um diálogo entre filósofos e literatos, a partir de temas caros a esses novos interlocutores e extraídos de suas próprias obras. Tal propósito quer alcançar o colóquio entre esses universos aparentemente distanciados.

PÚBLICO-ALVO


Esse curso está elaborado para atender uma clientela interessada em aperfeiçoar-se ou em melhorar a sua qualificação profissional ao aguçar sua capacidade reflexiva e crítica.



- Profissionais graduados nas áreas do saber em geral;

- Profissionais graduados nas áreas de conhecimento e de saber afins;

- Alunos recém-graduados.




PRÉ-REQUISITO



Os cursos de pós-graduação lato sensu estão abertos a todos os portadores de diploma de curso superior reconhecido pelo Ministério da Educação.



VAGAS



O curso será ministrado somente com um número mínimo de 30 alunos.



HORÁRIO DAS AULAS



Terças e quintas, das 9h às 12h30

1ª disciplina
2ª disciplina
das 8h15 às 10h40
das 10h50 às 12h30

PERÍODO


O curso tem duração de 1 ano (360 h/a), excluindo o período de elaboração da monografia.


MÓDULO FEVEREIRO / JULHO 2015

de 24 de fevereiro de 2015 a 21 de julho de 2015



MÓDULO AGOSTO/ DEZEMBRO 2015

de 4 de agosto de 2015 a 22 de dezembro de 2015




INÍCIO DAS AULAS DO PRÓXIMO MÓDULO

24 de fevereiro de 2015, terça-feira, às 8h15





DISCIPLINAS E CORPO DOCENTE


Manoel de Barros, Deleuze & Guattari: uma didática da invenção
Espinosa e Bernard Malamud: liberdade e necessidade
Profº Drº Elton Luiz Leite de Souza

Leibniz e Borges: uma leitura transversal
Deleuze e Céline: tornar visível o invisível
Profa. Dra. Flavia Bruno, doutora em Filosofia


A odisseia da razão: Adorno e Horkheimer leitores de Homero
Ésquilo, Sófocles e Eurípedes na filosofia de Nietzsche
Prof. Dr. Vinícius Monteiro, doutor em Filosofia


Ilusões perdidas de Balzac a Marx
Admirável mundo novo de Huxley a Habermas
Prof. Ms. André Magnelli, mestre e doutorando em Sociologia


Ortega y Gasset e Miguel de Cervantes: romance e realidade
Chesterton e Tomás de Aquino: fé, filosofia e literatura
Prof. Dr. Joathas Bello, doutor em Filosofia


Para além da representação: Derrida e Artaud
Os fins do homem e o retorno da linguagem em Bataille e Foucault
Prof. Ms. Marcelo de Oliveira Lopes, mestre em Sociologia


Sartre e Camus: as ideias que deram fim a uma grande amizade
Machado de Assis e Schopenhauervida, um oscilar entre a dor e o tédio
Profa. Dra. Márcia do Amaral, doutora em Filosofia


Proust e Descartes: em busca do meditar perdido
Clarisse Lispector e Heidegger: sobre o dizível e o indizível existencial
Prof. Dr. André Campos, doutor em Filosofia




MONOGRAFIA


Para obter o Certificado de Especialização, o aluno do curso de pós-graduação lato sensu, após concluir as aulas presenciais, terá um prazo de seis meses para a conclusão do trabalho monográfico. Na aula de Metodologia da Pesquisa receberá um manual com orientações formais acerca do projeto e da monografia. A monografia que obtiver grau de excelência ficará disponível para consulta na biblioteca da Faculdade.




COORDENAÇÃO DO CURSO


Profª Drª Lucia Cavalcante Reis Arruda – Doutora em Filosofia 

E-mail da coordenação: lucia.arruda@faculdadesaobento.org.br




Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro
Rua D. Gerardo, 68 - Centro - Rio de Janeiro
Telefones: (21) 2206-8310 e 2206-8281