sábado, 27 de fevereiro de 2010




A Terra está grávida...
Cuidemos para que seu filho nasça.
Quando menos se esperava,
desejou ela ser novamente mãe:
em seu ventre,
a nutrir-se da Vida que nunca acaba,
espera para nascer o Amanhã.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010



A VERDADEIRA NOBREZA

Ele se chamava Angenor, com esse nome nasceu.Angenor era um homem negro, simples , que mal fizera o primário. Morava na Mangueira; a Mangueira morava nele.Aprendeu a traduzir no violão o que lhe falavam as rosas. Escrevia poemas; via poesia onde todo mundo só via pobreza e miséria. Aos que só olham o chão, ele aconselhava:"Corra e olha o céu...", o "céu que a todos cobre" de forma igual.
Para ganhar a vida,já que de poesia não dava, foi trabalhar como operário de obras.O chapéu que ele usava nas obras era igual ao de todos: chapéu de operário, ordinariamente comum. Porém, o modo como ele punha o chapéu, a maneira como ele andava ,cheio de classe e elegância, fez um companheiro de obras ironizar:"Angenor,acorda: isso é só um chapéu de operário, não é uma cartola!".
E foi desse útero poeticamente subversivo, que subvertia o sentido ordinário das coisas, que nasceu Cartola, cuja nobreza de alma tornava nobre tudo o que tocava. Mesmo os que têm bom nascimento, doutoramentos acadêmicos e posses materiais, mas se lhes faltar nobreza de alma, quando estes põem uma cartola de fato, esta se transforma em um triste chapéu ordinário, espelho que se torna de uma alma assim.
Cartola, ao contrário, não nasceu nobre de sangue, mas fez a nobreza nascer em seu sangue de poeta:nascido Angenor, renascido Cartola.



Traçado a giz
deve ser o contorno
de quem não cabe em si mesmo.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010




ACONTECIMENTOS

Quando chove, diz a criança,
caem no chão as sementes do mar.

***
Quando confiante,
a rosa abre as pétalas e sorri sem medo.

***
O camaleão sabe em sua pele
os mistérios da paisagem.

***
O amor,
para a orquídea flor,
tem o rosto de uma vespa:
em sua impaciente espera,
enquanto o amado não chega,
não sofre ela menos do que sofreu, por Romeu,
a doce Julieta.

***
Os bons livros não podem ser lidos
sem que eles também nos leiam.


***
Quando a alma anda perdida na memória,
é o olho do corpo que a salva,
mostrando-lhe um novo presente que nasce agora.

***

A vida nos dá a folha branca,
mas uma segunda não nos dá para esboço.

***

Acho que já vi a eternidade umas cinco vezes:
pedras sob a corrente ligeira que passa,
sobre as quais pude atravessar à outra margem.

***
Só valem a pena os carnavais que nascem da alma,
cujas cinzas não vem depois, mas antes de nascer a festa.

sábado, 13 de fevereiro de 2010



MÍNIMAS XIII

A seda do coração é azul,
e tem o cheiro das maçãs que se embrulham nela.

***
Quando o passado fica adiante,
esquiva-se o futuro às nossas costas.

***
O silêncio não reclama,
mas de nossas palavras em verdade ele não gosta.

***
Ao retornar ao ponto onde nasceu,
o salmão faz de seu berço o seu porto.

***
O labirinto mais difícil de se vencer
é aquele que tem no seu centro o que mais desejamos.

***
Quando lançada sem cuidado,
a palavra crava na alma e nunca solta.

***
O temor do futuro
diminui o horizonte nos olhos.

***
A pérola nasce dentro da ostra
porque sua confiança não depende do que lhe está fora.