segunda-feira, 28 de dezembro de 2009



DIÁLOGO 7

- O Rei baixou um último decreto.
- Do que trata?
- Expressamente, determina: “É proibido pensar”.
- Qual inimigo pretende tal decreto enquadrar?
- Não se sabe ao certo... Segundo se diz, esse inimigo está em todo lugar. Teme-se inclusive que ele esteja dentro.
- Dentro de onde?
- De nós mesmos...
- Mas como saber?
- Nunca critique, diga sempre sim, ajoelhe-se e baixe a cabeça .
- Ajoelhar e baixar a cabeça diante do Rei?
- Não apenas diante dele. Também diante das regras, das leis, dos cânones, do mercado e, sobretudo, diante da lógica. E nunca se esqueça de dizer que está tudo bem. Faça sempre o mesmo que todo mundo faz. Lembre-se: sexta-feira é dia de ficar bêbado, e na segunda o Rei quer que todo mundo fique triste. Leia o bestseller que a propaganda recomenda. E decore as fórmulas para se ter sucesso.Para dúvidas existenciais, consulte um psicólogo, jamais ouse tentar encontrar um sentido por si mesmo.
- Que polícia prenderá os infratores ao decreto?
- A polícia do pensamento. Foi criada ontem. Cuidado...
- Cuidado com o quê?
- Cuidado com tudo. Vê aquela câmera?
- O que tem ela?
- Ela tem sensores que captam idéias ainda não catalogadas.
- Catalogadas?
- Sim, o utilitarismo catalogou todas as idéias que valem a pena pensar. O CNPq financiou o projeto. Teve até concurso público para selecionar esses polícias. 10 mil por mês de salário.
- E os poetas?
- Cuidado com o que diz....
- E os filósofos?
- A câmera virou para cá...precisamos ir...
- Ir para onde?
- Você pergunta demais. Disfarça e sorria...E lembre-se: a ciência explica tudo. Explica o amor, a morte, a vida, o tempo... Não existe mais mistério. Deambular contemplando o céu é desvio grave de conduta. Também está proibido fazer filme que ninguém entende.
- Como fugir?
- Não existe mais fora...
- Isso é o que você acredita. O fora ainda existe. O que nos falta é reinventar uma porta.
- Se o Rei desconfiar de suas idéias, ele mandará trancar os corações...Não é isso que você está chamando de porta?
- Não. O coração é exatamente o que está fora do que pode dominar o poder do Rei. O coração é o cosmos inteiro.Façamo-nos porta aberta ao que nos salva de nós mesmos.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009



DIÁLOGO 6
( para o Antoninho, o "homem-aranha")

- Pai, por que a lua não cai?
- Porque a mão da natureza a segura.
- Natureza tem mão?
- É uma forma de falar, meu filho.
- Então a lua não cai porque a fala não deixa?
- Você vai entender quando crescer.
- Mas o senhor entende?
- Entende o quê?
- Porque a lua não cai.
- Eu só sei em parte.
- E quem sabe tudo?
- Só Deus, meu filho.
- Ele é professor?
- Quem?
- Deus.
- Não , meu filho. Ele é o Criador de tudo.
- E por que ele criou tudo?
- Porque ele quis, meu filho.
- É um brinquedo dele?
- O quê?
- A lua.
- Deus não brinca, meu filho.
- Ele é adulto?
- ...Você quer um sorvete?
- Pai, quem ensinou o primeiro passarinho a voar?
- Foram os anjos.
- Eu também queria aprender a voar. Mas o passarinho foge quando eu chego perto. E os morcegos?
- O que têm os morcegos?
- Foram os anjos que também ensinaram eles a voar?
- Também.
- Os morcegos eram do turno da noite?
- Você me sai com cada uma...
- E os aviões, foram os anjos também?
- Não, foram os homens que fizeram o avião voar.
- Mas homem não voa e nem é anjo!
- Meu filho, o anjo é você...rs...E as lições de matemática? Você fez o dever de casa de matemática? O que você está aprendendo?
- A contar...
- E você está aprendendo direitinho?
- Sim, pai. Mas fiquei com uma dúvida...
- Qual é a dúvida meu filho? Em matemática tudo tem resposta...
- Depois do 1 vem o 2, depois do 10 vem o 11...depois do 1.000 vem o 1.001...depois do 100.000 vem o 100.001...e o 100.002 e o 100.003...
- E daí?
- Se a gente continuar contando sem parar, quando a gente chega ao último número?
- Meu filho, não existe um último número!
- Mas se não existe um último, como pode existir um primeiro, um segundo, um terceiro...?
- ...
- Pai...
- Sim, meu filho...
- Existe algum exercício para continuar a ser criança?
- Meu filho, talvez o único exercício seja este: nunca se contentar com as respostas... Obrigado por me ensinar isso.
- Olha, pai! Um pardal chegou pertinho da gente...

sábado, 19 de dezembro de 2009



DIÁLOGO 3

- Estranho...A lua hoje não veio...Reparou?
- Às vezes quem a gente mais espera não vem.
- Mas lua não é gente!
- Quem disse?!
- È sério! Ontem ela morreu atrás da mão esquerda do Cristo...
- Da mão direita...logo após passar pela cabeça dele, como se fosse uma coroa de luz.
- Jurava que foi pela mão esquerda....Mas essa história de coroa de luz é loucura que dá na palavra, que você gosta tanto...rs...
- E digo mais: ela não morreu, o Cristo a reteve na mão, como se fosse um farol, para que os poetas e os enamorados, todos os que crêem no mistério, pudessem reencontrar aqui embaixo o caminho que já se encontrava quase esquecido.
- E você reencontrou o seu caminho?
- Vamos passear ao redor da Lagoa?




DIÁLOGO 2

- Levante a cabeça.
- Desculpe , não entendi...
- Nunca olhe para o chão.
- Por quê?
- Os olhos podem se acostumar. E olho acostumado ao chão desaprende de ver.
- Mas sempre me vejo indo na direção contrária a que todos vão.
- Não se acha mais sozinho quem aprende a fazer-se companhia.
- E se a pessoa está perdida?
- Se estiver perdida à maneira de uma criança que se afastou dos pais, deve ficar quieta para ouvir, mesmo que no meio de uma multidão, a voz que a chama de longe , e que vem dos pais; se estiver perdida à maneira de alguém que não sabe para onde vai, é a outras vozes que deve aprender a ouvir, e mesmo a voz de um estranho pode soar familiar.
- E se a pessoa for surda?
- Mas , de certo modo, quem não é?
- Como então ouvir?
- Não raro, a surdez está no ouvir. Há os que somente ouvem as vozes que vêm de baixo, e ainda há alguns outros, muito poucos, que conseguiram ouvir as vozes que vêm do alto.
- E qual voz fala com mais sentido? Qual é apenas delírio?
- Isso depende do ouvido que temos. Essas vozes falam dentro da nossa alma.
-Do que fala uma e do que a outra?
- A voz que vem de baixo é puro peso, e para baixo puxa a alma. É a voz da queda, do tombo. É a voz do que não aceita que estejamos de pé. Mas ela só é ouvida quando nela crê nosso ouvido.
- E a voz do alto?
- É uma espécie de canto que ouvimos quando dentro de nós faz silêncio. E ao ouvi-la, impossível não cantar também. E uma alma que canta não morre. Muitos ouviram essa voz de forma diferente, de acordo com o ouvido que tinham. Embora muitas maneiras há de ouvi-la, essa voz porta, no entanto, um único sentido. Mozart a traduziu no piano; Cézanne a entendeu nas cores das tintas; Gandhi a pôs em suas pernas e braços, e nunca mais se cansou de fazer o bem ; São Francisco a ouvia nos pardais ;Visconti a entendeu sob a forma de luz; Pessoa se tornou muitos ao pô-la em sua poesia tão única; Espinosa a trouxe ao coração para ser sua conselheira ; e Plotino a tudo compreendeu quando aprendeu que a tal voz do alto é escada por onde tudo sobe.
- E sua voz, de onde vem?
- Não posso ter certeza de onde ela vem, apenas para onde ela vai. E vou junto com ela, inteiro. E ela me trouxe aqui, para junto do seu ouvido. E obrigado por nos deixar entrar.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009



DIÁLOGO

- Cláudio?
-Não.
- Teófilo?
-Tampouco.
- Quem você é?
- Alguém igual a você.
-Amigo?
-Mais do que isso.
-Irmão?
-Mas não de sangue.
-Vê a noite?
-Como não!?
- Depois do depois, onde fica?
- Cuidado por onde anda, veja o chão.
- Por mais que eu olhe, nada vejo, as perguntas crescem: que estranhas asas!
-Fique perto sempre do teu coração, é assim que faço, é assim que a vida quer.
- Isso é ser razoável?
-Isso é ser humano.
- Mas se é a vida que me chama , como não ir?
- Então vá,firme, sem titubear; veja: é por ali...
- Por onde vão aquela criança, aquele anjo e aquele louco?
- Sim...
- Por que tão poucos?
- Estes poucos são muitos, estão todos dentro de ti.
- Mas aonde essa estrada vai dar?
- No Amor.
- Fica longe?
-É o mais longe que se pode ir.
-E você quem é? Como sabe?
-Você não acreditaria. Agora, abre os olhos: desperta.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009



ASCESIS

Acendi o cigarro na chama da Vida,
e a brasa vermelha se recusou a morrer:
findo o cigarro,
era aos meus dedos que ela agora incandescia.
Minha carne, sonhos e fantasia,
tudo em bruma se convertia:
tornei-me etéreo ,peso já não havia.
E assim fui eu à lua,
e mais além ainda:
junto à brasa das estrelas acendidas.